terça-feira, 8 de setembro de 2015

Capítulo 1


Capítulo 1


Demetria Lovato se deteve na esquina da Quinta Avenida com a rua Quarenta e dois. As pessoas a empurravam para a esquerda e para a direita em sua pressa por passar. Os pedestres se moviam como ondas rompendo contra uma rocha. Depois de um mês em Nova Iorque, ainda não tinha acostumado ao horário de pico.
Mesmo assim, não permitiu que as pessoas a distraísse. Era seu primeiro dia no trabalho dos seus sonhos e ia saborear cada minuto. Um mês depois de finalizar uma pós-graduação em Bibliotecas e Informática na Universidade do Drexel, dirigia-se à biblioteca mais magnífica de todo o país.
Elevou a vista para o formoso edifício, uma assombrosa obra de arquitetura em pedra calcária branca e mármore. Demi não podia imaginar que existisse um lugar mais perfeito que a Biblioteca Pública de Nova Iorque. — Está olhando os gêmeos? — perguntou-lhe uma senhora.Tinha o cabelo tão branco que parecia quase rosa e vestia um traje azul esverdeado com uns brilhantes botões dourados. Estava com um colar de cristais incrustados, o qual pendia um cachorrinho branco.
— Perdão? — disse Demi.
— Os leões — esclareceu a mulher.Ah, os leões. Em cada lado da ampla escada de pedra que subia até a biblioteca havia a estátua de um leão de mármore branco. Eram umas criaturas de aspecto real, que, sentadas sobre uns pilares de pedra, pareciam guardar o conhecimento que habitava o edifício.
— Eu gosto dos leões. — afirmou Demi.Sua colega de quarto tinha advertido muito séria que não devia responder a todos os pirados que lhe falassem na rua. Mas Demi era da Pensilvânia e se sentia incapaz de ser mal-educada.
— Paciência e Integridade. — responde a mulher. —Esses são seus nomes.
— De verdade? — exclamou Demi. — Não sabia.
— Paciência e Integridade. — repetiu a mulher e partiu.
Demi não soube como dizer a sua nova chefe, Blanda Eggnschwiller, que não necessitava de uma visita guiada pela biblioteca, porque tinha ido ali com frequência desde que era menina. Mas Blanda, uma loira alta e fria do Upper East Side, tinha-lhe parecido intimidadora durante a entrevista e, de algum modo, o parecia ainda mais agora que tinha conseguido o trabalho.
— Não quer tomar notas enquanto caminhamos? — perguntou-lhe Blanda.
Demi abriu a bolsa e procurou um papel e um lápis.Seguiu à mulher pelo grande vestíbulo de mármore, cujo estilo Belas Artes sempre lhe recordava as fotografias dos grandes edifícios da Europa. Mas seu pai lhe havia dito muitas vezes que não tinha sentido comparar a sede central da Biblioteca Pública de Nova Iorque com nada, já que, como obra de arquitetura, era única. 
— E esta é a Sala do Catálogo Público. — anunciou Blanda.
A magnífica sala, oficialmente chamada Sala do Catálogo Público Bill Blass, e composta por mesas baixas de madeira escura, providas de abajures de bronze distintivas da biblioteca, com telas de metal rematadas em bronze escuro. Os computadores pareciam estar fora de lugar, já que os móveis lembravam o início do século XX.
— Estes computadores não têm acesso à Internet. — comentou Blanda, claramente aborrecida pela explicação que, sem dúvida, teria dado infinitas vezes. — Sua única finalidade é permitir que os visitantes procurem os livros que necessitam, os números de referência e demais informações, para logo solicitá-los em empréstimo.
É obvio, Demi conhecia esse sistema melhor que tudo na vida. (Ela doava era um bom sistema. Para ela, a ordem estava cima de tudo).
Depois de procurar os livros, os visitantes escreviam os títulos e os números de referência em um papel com os pequenos lápis que tinham ao seu dispor nos boxes de ambos os lados das largas mesas.Para Demi era reconfortante o fato de que nessa época, em que tudo se fazia pelo SMS ou correio eletrônico, a Biblioteca Pública de Nova Iorque era o único lugar onde a gente ainda tivesse que usar papel e lápis. Blanda continuou andando e os saltos de sua “Ankle Boot” ressoaram no chão de mármore. Usava o cabelo liso preso em um delicado coque baixo e estava vestida da cabeça aos pés de Ralph Lauren. Igual à companheira de apartamento de Demi, Blanda Eggnschwiller, a olhou de cima abaixo e disfarçou o seu veredicto: "Ruim! Muito ruim!".Demi se perguntou se em Manhattan haveria algum código secreto para se vestir, e que todo mundo conhecia menos ela. Desde que mudou para a cidade, sentia-se como um dos extraterrestres da invasão dos ladrões de corpos; quase parecia uma nova-iorquina, mas quem a olhasse com mais atenção via que não era bem assim.
— E aqui temos o coração da biblioteca, a Sala Principal de Leitura.O pai da Demi ia com frequência à Nova Iorque por negócios e a levava com ele. Viajavam de trem, comiam no Serendipity e visitavam a sede central da Biblioteca Pública de Nova Iorque, na Quinta Avenida; um ritual para estreitar laços afetivos. O leve aroma de fechado da Sala Principal de Leitura recordava a seu pai de um modo tão vívido e intenso que sempre necessitava um momento para recuperar-se.
Deteve-se para ler a inscrição que havia sobre a porta, um protesto contra a censura de 1644 do Areopagítica de Milton: "Um bom livro é a preciosa seiva para um espírito magistral, embalsamado e entesourado com o propósito de dar vida além da vida".
A sala era impressionante; só com seu tamanho conseguia deslumbrá-la. O teto tinha uns quinze metros de altura, só três metros menos alto que os típicos edifícios de pedra calcária de Manhattan. A sala media vinte e quatro metros de largura e noventa de comprimento, aproximadamente a longitude de todo um bloco de pisos. Pelas enormes janelas em arco entrava a luz do sol. E logo estava o teto, uma pintura de um céu com nuvens do Yohannes Aynalem, rodeada por ornamentadas talhas douradas de madeira de querubins, golfinhos e volutas. Mas sua parte favorita daquela sala eram os lustres de quatro fileiras, de madeira escura e latão, com máscaras de sátiros esculpidas entre as lâmpadas.Blanda se deteve frente ao balcão de empréstimos que presidia a sala. Era mais que um balcão: ornamentada, a peça de madeira escura abrangia a metade do comprido da estadia e era, basicamente, o centro de comando. Estava dividido em onze espaços com um guichê em arco cada um, separados por colunas dóricas romanas.
Blanda se inclinou sobre um dos ocos.
— Aqui está, seu novo lar. — anunciou.
Demi se sentiu confusa.
— Vou trabalhar no balcão de empréstimos?
— Sim. — respondeu Blanda.
— Mas... Especializei-me em Arquivos e Conservação.
Sua chefe lhe dirigiu um olhar de desaprovação, com uma mão de unhas perfeitamente arrumadas sobre o quadril.
— Não se precipite. É inteligente, como o foram todos os candidatos para este posto. Poderá abrir caminho como aos demais. Por outro lado, a biblioteca tem os arquivos cuidados por Margaret. Teve oportunidade de conhecer Margaret? Ela mesma está muito bem conservada. Acredito que trabalhe aqui desde que se colocou a primeira pedra.
Demi sentiu uma sensação de vazio no estômago. Trabalhar no balcão de empréstimos não era um trabalho muito estimulante. A único coisa q e faria seria sentar-se em seu posto, receber os pedidos e inseri-lo no computador e aguardar que alguém trouxesse os livros das diversas salas e espaços para poder entregar ao visitante, que aguardaria sentado numa mesa com uma senha.
Tentou não se deixar levar pelo pânico. Todo mundo tinha que começar em algum lugar, disse a si mesma. E poderia ser pior: poderiam colocá-la no balcão de devoluções.
O importante era que se encontrava ali. No final era bibliotecária.
E demonstraria que era digna desse trabalho.

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