sábado, 31 de outubro de 2015

Capítulo 34


Capítulo 34
Demi apoiou o pé na lateral da banheira. A espuma chegava quase até acima. Inspirou profundamente e desfrutou da água quente com aroma de lavanda. Joe soube exatamente o que fazer quando retornaram a seu apartamento. Ajudou-a a tirar o conjunto Morgane O Fay, envolveu-a numa suave e enorme toalha e a levou imediatamente ao banheiro, onde a deixou sozinha para que relaxasse. Não sabia quanto tempo tinha ficado na água. Tinha os dedos dos pés e das mãos enrugados. Sentia-se relaxada e nervosa ao mesmo tempo. E estava cansada de estar sozinha. Puxou a alavanca com o pé para esvaziar a banheira. Levantou-se, um pouco enjoada a princípio, e se envolveu numa toalha branca.
Secou a nuca e soltou os cabelos para que caísse sobre os ombros.
Quando se olhou no espelho, viu que tinha borrado o rímel com as lágrimas. Usou uma toalhinha para limpar o melhor que pôde.
Entrou sem fazer ruído no quarto.
— Pensei que não fosse sair nunca — disse Joe com um sorriso.
Trocou-se. Usava uma boxer branca e uma camisa de um azul intenso desabotoada e com as mangas dobradas. Demi o adorava com camisa, como enrolava levemente o cabelo por trás, sobre o pescoço. Estava tão dolorosamente lindo, que fazia que tudo o que tinha pensado na banheira, resultasse muito mais difícil.
Ela viu as duas taças de vinho branco na mesinha de cabeceira.
Joe, que tinha seguido seu olhar, pegou uma e a entregou.
— Obrigada — disse.
Estava frio e seco e, nesse momento, pareceu-lhe o melhor que já tivesse provado. Ele se sentou na beira da cama e ela se acomodou a seu lado e se virou levemente para poder olhar o seu rosto. Quando ele sorriu, Demi quase perdeu a coragem ao ver aquelas covinhas. Mas não se permitiu acovardar-se. 
— Joe, apreciei que tenha organizado tudo isto para solucionar o problema de confiança em nossa relação. Mas o que aconteceu esta noite... Assim não vamos aprender a confiar um no outro. Nem a nos conhecer. Ao menos, não do modo que eu desejo.
— O que tem em mente? — perguntou daquele modo zombador tão próprio dele.
— Você ficou furioso porque não disse que era virgem, por não revelar a verdade sobre minha experiência sexual. Mas você não me conta a verdade sobre seu passado, sua história, sua vida.
— É obvio que sim — protestou. — E já disse a você o que sentia por Blanda...
— Isto não tem nada que ver com Blanda. Ao menos, não com respeito a isso. Conhece a Margaret, da biblioteca? Falou-me de sua mãe. 
O sorriso dele desapareceu.
— Ela não está um pouquinho velha para fofocar?
—Não estava fofocando. Viu-nos sair da sala a outra noite.Suponho que sentiu que eu deveria saber algo sobre o homem... com quem estou saindo.
— Mas não disse nada a você sobre mim, não é? Falou de minha mãe. 
— Vamos. Não haja como se não soubesse o que quero dizer. Por que não me contou toda essa história? Na noite de meu aniversário, estivemos falando sobre o que nos preocupava de nossos pais, e você não disse nenhuma só palavra sobre isso. Por quê?
— Porque, como já disse respeito de Blanda, não tem nada que ver com você.
— Pois eu digo que sim tem a ver. Se não falarmos sobre coisas reais, como poderemos confiar um no outro? O sexo espetacular não é o que faz que uma relação funcione.
— Como pode sabê-lo?
— O que quer dizer?
— Bom, até poucas semanas atrás era virgem, isso me leva a pensar que não teve muitas relações sérias, se é que teve alguma. Sexual ou de outro tipo. Teve?
— A verdade é que não, — reconheceu.
— Bom, eu sim. E minhas relações são todas assim. E assim é como quero que sejam.
— Disse que era diferente comigo. Joe suspirou.
— Sinto-me diferente com você.
—Como?
— Não sei Demi! — gritou exasperado. — Às veze acredito que eu gosto mais que nenhuma outra com quem já estive. Sua falta de experiência me resulta estimulante. Acredito que tem bom coração. É assombroso que não esteja cansada. É fácil te surpreender e te agradar.
Mas isso não troca o que quero tirar disto. 
— E o que é?
— Exatamente o que temos. Exceto o desejo de fotografar você.
Agora foi ela que se exasperou.
— Isso outra vez não.
— Para mim, isso é intimidade. Compartilhar. Ela se levantou de um salto da cama e derramou um pouco de vinho sobre a toalha. 
— Não posso acreditar nisso. Estou dizendo a você o que sinto, o que me falta nesta relação ou como quer chama-la, e você está me pedindo mais? Por que deveria dar o que você deseja se você se nega a sequer tentar me dar o que eu desejo?
— Pensava que o estava fazendo — replicou impassível.
— Pois não, não o está fazendo — contradisse-o Demi.
Joe pareceu pensar nisso e logo assentiu devagar como se respondesse a uma pergunta.
— Vou leva-la para casa — anunciou em voz baixa.

                                        ***
—O que você precisa é um menino bonito e normal — firmou Selena. 
Era última hora da manhã, uma interminável manhã durante a qual Demi havia sentido como passavam as horas na escuridão, sem dormir, até que o sol finalmente lhe indicou que já podia levantar da cama. Diante de pão-doces e café, não pôde evitar desmoronar-se diante de sua companheira de apartamento. Contou sobre o Hotel Jane, suspeitando que inclusive a imperturbável Selena se escandalizasse pelos acontecimentos da noite anterior. Mas esta se limitou a arregalar os olhos e a suspirar:
— Eu adoro o Jane.
Depois, como se lembrasse de repente que seus deveres de amiga e companheira de apartamento requeriam um pouco mais de empatia, apoiou uma mão no braço e disse:
— O que eu falei desde o começo? Divirta-se, mas não espere nada mais. Assim triunfou e agora pode indicar isto como uma louca experiência amorosa em Nova Iorque que poderá contar a seus netos algum dia. Demi a olhou.
— Acha que esta é uma história que poderia contar aos meus netos?
— Bom, possivelmente aos seus não. Embora esteja certa de que os meus adorarão ouvi-la. — Riu as gargalhadas enquanto dava tapinhas nas coxas. Demi levou os joelhos ao peito e os abraçou, desejosa de que o sofá a tragasse.
— Alegra-me muito que isto pareça divertido.
— Não estou rindo de você, Demi. Sabe que eu passei pelo mesmo.
Sim, Selena tinha experimentado esse tipo de sofrimento depois do seu rompimento com Justin. A dor que era quase física, a incapacidade de comer ou dormir. Era como se a explosão de energia que Demi sentiu quando viu pela primeira vez Joe, mas horrivelmente ao contrário. E Selena tinha razão. Ela tinha avisado.
— Sabe que depois do Justin fiquei destroçada — continuou a garota com se lesse a mente dela. — Mas o que fiz?
— Não sei — reconheceu Demi.
— Voltei a montar no cavalo, como diria minha mãe. Demi não sabia a que se referia. Tanto quanto lhe dizia a respeito, não se tinha cavalgado muito naquele apartamento desde o rompimento. Embora possivelmente tinha estado muito absorta no seu drama para dar-se conta do que estava acontecendo ultimamente com sua companheira de apartamento.
— O que me sugere? — perguntou então, mais por continuar educadamente a conversa que por verdadeiro interesse.
Não havia nada que Selena pudesse dizer-lhe para que se sentisse melhor. Apaixonou-se loucamente por um homem inalcançável e sem dúvida fodido, destroçado, e as probabilidades de que ela encontrasse a felicidade com outro homem eram quase as mesmas que chegaria a Narnia através de seu armário.
— Eu vou organizar alguma coisa com alguém — comentou sua companheira.
— Eh... Não, obrigada — negou Demi, ainda estremecendo-se ao pensar em David  e seus colegas no Nurse Bettie.
— Sei que não será fácil sair com um mero mortal depois de Joseph Jonas, mas tem que confiar em mim — insistiu.
— Sim — afirmou Demi. — Ultimamente esteve ouvindo muito isso. Voltou para seu quarto e fechou a porta.

                                       ***

Na segunda-feira pela manhã, Demi correu para o balcão de devoluções com seu café de copinho da Starbuck. De repente, viu que Blanda avançava na mesma direção, um metro na frente dela, andando de pressa. Seu rabo-de-cavalo loiro platino flutuava atrás de sua cabeça como uma bandeira inimiga.
Demi atirou o café no primeiro cesto de papéis que encontrou e reduziu o ritmo. Mas foi impossível evitar Blanda, que, de fato, a esperava na sua mesa. Havia um carro cheio de livros estacionado junto a sua cadeira que requeria sua atenção.
— Bom dia, Demi — saudou-a. — Hoje é seu dia de sorte.
Ela mal conseguia olhar para ela. Não compreendia o ciúmes e a desconfiança que borbulhavam em suas vísceras como o ácido. Ela lembrou a si mesma que fazia uns poucos dias Joseph Jonas já não importava mais, nem seu passado, nem seu presente. Mesmo assim, havia algo em Blanda que a afetava.
— Ah, é mesmo? Como assim? — Deixou a bolsa no chão.
— Voltará para o balcão de empréstimos — anunciou.
Aquelas eram boas notícias, mas Demi não reagiu, limitou-se a perguntar:
— Tenho que ir agora?
— Em um minuto — respondeu Blanda. — Mas preciso que esteja disponível ao meio-dia. Tenho alguns recados que fazer e necessitarei ajuda.
— Sinto muito — ela respondeu. — Vou almoçar com a Margaret.
Blanda estremeceu ante o desprezo, mas se recuperou rapidamente.
— Bem, como não! Faça enquanto possa.
— O que significa isso?
— Eu não disse para você? Devido aos cortes orçamentários, eliminaram o seu cargo.
— Não podem dispensar a bibliotecária de arquivos.
— Ofereci a ela um lugar no balcão de devoluções — comentou Blanda como se não a tivesse ouvido. — Infelizmente, ela optou por retirar-se. Mas acredito que vai explicar isso tudo durante o almoço. Demi saiu correndo e subiu a escada a toda pressa. Dirigiu-se à sala onde trabalhava Margaret enquanto se perguntava por que a senhora não tinha contado pessoalmente. E então lembrou-se de que Margaret tinha ido a sua mesa dois dias antes, mas Demi estava muito absorta na sua dor pelo rompimento com Joe para aceitar seu convite a tomar um café.
A Sala de Arquivos estava totalmente iluminada pelo sol, os raios deixavam ver franjas de pó no ar.
— Por que não me disse isso? — espetou Demi.
Margaret estava inclinada sobre uma mesa, lendo um enorme livro encadernado em tecido com uma lupa.
Levantou a cabeça devagar.
—Bom dia para você também — exclamou sorrindo.
— Não sei como pode parecer tão alegre. Blanda acaba de contar o que aconteceu. A mulher deixou a pesada lupa sobre a página.
— Era inevitável, Demi — comentou. — Você não precisa me olhar assim. Não sou uma vítima. Supero a idade de aposentadoria faz tempo.
— Bom, mas acredito que o momento escolhido é realmente uma sacanagem. E as circunstâncias.
— Foi bom — replicou Margaret. — E eu já disse uma infinidade de vezes que aqui já não é o que era. Sabia que o ex-presidente desta biblioteca criou um plano para armazenar milhões de livros em Nova Jersey? Demoraria no mínimo, um dia para ter um livro na Sala Principal de Leitura a partir do momento em que o leitor fez o pedido.
— Não podem fazer isso — escandalizou-se Demi.
— Oh, sim podem e o farão. Acredite em mim, protestamos. Faz uns poucos meses, um pouco antes de que você chegasse, enviamos uma carta assinada por centenas de escritores e acadêmicos. E esse só é um problema. O orçamento para as compras abaixou vinte e seis por cento nos últimos quatro anos. É muito tarde, Demi.
Para seu espanto, esta começou a chorar.
— Oh, Demi. Está sentindo isso pior que eu.Margaret caminhou ao redor da mesa e a abraçou. Ela cedeu ao gesto de carinho e chorou nos braços da Margaret como uma menina. A mulher tirou um lenço de tecido e pôs na mão dela. Demi enxugou as lágrimas.
— Obrigada. Sinto muito. Não sei o está errado.Margaret recuou e sorriu.
— Tudo vai ficar bem, Demi. A biblioteca sobreviverá. Eu encontrarei trabalho numa livraria. Ou possivelmente comece com alguma dessas coisas de blogs.Ela riu.
— Mas o mais importante é que você estará bem.Demi assentiu não muito convencida.
— Obrigada por me contar do Joe. Tentei falar com ele sobre a sua mãe, mas se negou.
— Tenho que lhe dizer isso Demi. Eu não sei muito de homens.
Nunca me casei e não foi por acidente. Mas uma das poucas coisas que aprendi em minha época é que não se pode mudar um homem, nem tampouco corrigi-lo.
— Estou certa de que tem razão nisso — disse ela, fungando.
— Descubra o que você deseja, o que te faz feliz. E logo poderá decidir que homem permitirá entrar na sua vida.
— Então, nunca encontrou algum com quem desejasse se casar?
— perguntou Demi.
— Oh, houve muitos homens aos que desejei — respondeu a mulher com um sorriso matreiro. — E quando deixava de deseja-los, ia para o seguinte.
— Margaret! — exclamou Demi.
— O que? — protestou a senhora. — Posso suportar os antiquados livros velhos, mas não os romances antiquados.

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