quinta-feira, 19 de novembro de 2015

Capítulo 2

 

Highway to Hell rola nas alturas enquanto afundo o pé em Lúcifer, meu Jeep Troller para lá de incrementado. Aos prantos, minha voz atinge as alturas, acompanhando com a cabeça as batidas da bateria e os acordes de Angus e Malcolm Young.
As unhas cor de ameixa arranham o volante de plumas avermelhadas quando relembro o que se passou e para onde estou indo. Faltam sessenta quilômetros para o meu destino.
Quando as coisas não saem como deveriam, fujo para o colo do meu pai. Ele sempre sabe o que fazer, mesmo que a coisa esteja preta para o meu lado. Estou no fundo do poço e só ele poderá me salvar.

Ouço a sirene e olho pelo espelho retrovisor. Mas que merda! Meus olhos correm até o velocímetro e xingo alto, esmurrando o volante com o punho fechado. Mil vezes merda!
Meu pé desacelera e dou seta para a direita. Bufo alto antes de desligar o som e o motor do carro. Não tiro o cinto de segurança, mas já me preparo para o que virá. Abro a janela lateral e aguardo a aproximação do policial rodoviário.

— Documentos. – a voz grave e altiva me faz gelar.
— Um minuto. – abro a bolsa e saco os documentos lá de dentro. Por sorte está tudo em dia, como meu velho ensinou.
Estendo a carteira com todos os documentos relevantes. Através do meu Ray Ban zerado, noto que esse é o típico policial metido a besta, com “oclinhos Police” e cara de malvado.
— Seu velocímetro está com problemas? – ele indaga, num tom arrogante.
— Acho que não. – limito-me na resposta.
— Estava quarenta por cento acima da velocidade máxima permitida. – ele checa a documentação. – Para onde está indo?
— Paraty.
— Talvez não chegue lá inteira se mantiver essa velocidade. – ele baixa os óculos para me encarar. – Pode sair do carro, por favor?
— Claro. – arquejo inconformada antes de desatar o cinto de segurança. – Eu realmente não percebi que estava correndo tanto.
— Nenhum motorista pé de chumbo percebe. – o policial franze os lábios e engulo em seco. – O que são essas caixas? Você tem a nota fiscal desses produtos?
As caixas a que ele se refere são da minha mega coleção de sapatos. Duzentos e oitenta e dois pares no total. Gosto de mantê-los em suas caixas originais, onde faço uma janelinha e nomeio um por um. Não sou louca, apenas gosto de sapatos.

—Não são produtos, são sapatos. Estou de mudança para Paraty e esses são meus móveis. –reviro os olhos quando o policial arqueia as sobrancelhas, incerto.
— Tudo isso são sapatos? Para uso pessoal? – ele bate com a caneta Bic na boca, mirando-me.
— Algum problema com isso? – há certa irritação no meu tom e o policial percebe.
— Abra o porta-malas e essas caixas. Farei uma averiguação mais detalhada.Como assim uma averiguação mais detalhada? Esse policial está de sacanagem comigo, só pode.
— Está de brincadeira, não é? – levo as mãos aos quadris. – Olhe, seu policial, eu tive uma semana do cão. Perdi meu namorado, meu emprego, minhas economias, o chão onde pisava… eu perdi tudo, menos meus duzentos e oitenta e dois pares de sapato. E, claro, não perdi o Lúcifer aqui.– bato uma das mãos na lataria do carro. – Por favor, dê logo essa multa e me deixe seguir viagem. Tenho litros de lágrimas para chorar no colo do meu velho pai.
Assumo uma postura ereta e tombo a cabeça de lado, aguardando a reação do homem da lei. E a resposta vem, totalmente inesperada.

— Siga-me até o posto policial mais a frente. Não só ganhará uma multa como também passará horas a fio aguardando que uma minuciosa averiguação seja feita nesse tal de Lúcifer. – ele chega mais perto e sinto o bafo de café nas fuças. – Mocinha, se não quiser se encrencar ainda mais, sugiro ficar de boca fechada.

Mas que merda!

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