quinta-feira, 19 de novembro de 2015

Capítulo 3


Duas horas depois…

— Aqui está a multa e uma advertência. Só não irei apreender a sua carteira porque estou com pena de você, Demetria. Fiquei amiga do policial rodoviário Pacheco após três horas de averiguação sob o sol escaldante. Contei a ele e seus colegas todos os meus infortúnios, desde aquela última apresentação na agência. A princípio, houve certa comoção entre os homens da lei, que ficaram chocados com a forma pela qual tratei do assunto traição. Mas isso foi só no início da narrativa, afinal, tão logo cheguei ao âmago da história, aqueles fardados começaram a me dar tapinhas nas costas e recebi vários incentivos para nunca mais me deixar enganar.

— Até que ficar presa nesse posto policial não foi de todo o mal, Pacheco. Estou mais calma, prometo não pisar tão fundo no acelerador do Lúcifer. – digo, jogando a bolsa por sobre o ombro, pronta para voltar à estrada.

— Mude o nome desse carro, não atrai boas vibrações.

— Você é do tipo místico? – um sorriso me escapa pelos cantos da boca.

— Olhe, vou dar um conselho…

— É de graça? Porque como eu disse, estou sem um puto de um centavo. O Roger fez o favor de me ferrar.

O policial tira os óculos do rosto, guardando o objeto no bolso frontal do uniforme. Aproxima-se com a cabeça baixa e ergue as sobrancelhas na minha direção. Seus olhos cor de amêndoa me atravessam e sinto que lá vem uma lição de moral daquelas.

— O que é seu está guardado e virá no tempo certo, independente da velocidade com que você corra. A ansiedade é uma distração inútil, digo isso com propriedade. Desacelere. Acredite em um poder superior. Não estamos sozinhos, alguém olha por nós.

— Isso é papo de espírita. Ou crente. Ah, você é evangélico, Pacheco? – quando quero me defender, faço isso. Tiro sarro, na maior cara dura.

— Gostei de conhecer você. – ele apenas sorri, recolocando os óculos de sol. – Deixe o que passou para trás. Encare sua chegada em Paraty como um recomeço, uma nova chance. Será legal, você vai ver.

— Valeu mesmo, Pacheco. E desculpe as piadinhas. – sinto-me mal de repente.

— E, Demetria – ele balança o indicador na altura do meu nariz. –, se eu parar você novamente por excesso de velocidade, apreendo a carteira e o tal de Lúcifer, compreendido? Já passei um rádio para todos os postos policiais até Paraty e eles ficarão de olho em você.

—Beleza, Pacheco. – estendo a mão. – Foi legal conhecer você, pensei que todos os policiais eram malas sem alça.–Pacheco dá uma gargalhada e retribui o cumprimento. Não saberia dizer a idade dele, mas pelos cabelos brancos, chutaria uns quarenta e cinco anos.

— Até mais, garota.
                                            ≈≈≈

De volta à estrada.

Mantenho Lúcifer sob rédea curta, não permitindo que o velocímetro ultrapasse os cento e dez quilômetros por hora. Não é nada fácil, só para constar.
Meus olhos se revezam entre a estrada e o retrovisor, mas minha mente viaja a centenas de milhas daqui. Penso nas palavras do policial Pacheco e também da minha melhor amiga, Nauane. É impressionante, mas sempre que preciso escutar umas verdades, elas surgem dos lugares mais inusitados e de pessoas por vezes inesperadas.Talvez Pacheco tenha razão quando diz que alguém olha por nós. Bem, no meu caso, esse alguém parece ser cego.

Só mais vinte quilômetros e estarei em casa. Meu estômago se remexe feliz quando penso na comidinha caseira da pousada e nos bolinhos de chuva do café-da-manhã.Meus lábios sorriem instintivamente quando imagino os milhões de beijos e abraços que darei nos meus avós. Faz dois anos que não venho a Paraty, são eles que costumam me visitar.Meus olhos se umedecem quando penso no meu pai. Faz seis meses que não nos vemos fisicamente. Ele tem trabalhado muito, assim como eu. Nossas conversas acontecem nos finais de semana, pelo Skype. Por mais que eu o veja do outro lado do monitor, não é a mesma coisa. Preciso de contato físico, aliás, estou precisando mesmo é de um abraço bem apertado, daqueles de estalar todos os ossos. E só o meu pai é capaz desse feito.

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