sexta-feira, 13 de novembro de 2015

Capítulo 41


Capítulo 41
                                        

Demi se deteve no pé da escada da biblioteca e em seguida se virou para despedir-se de Joe com a mão. Ele abriu a janela do Mercedes e gritou:
— Venho te buscar às seis.
— Ok — ela respondeu e viu como o carro preto desaparecia entre o tráfego da Quinta Avenida. Sua mente flutuava com uma euforia que nunca tinha experimentado, mas seu corpo não sentia o mesmo tempo. Tudo lhe doía, as costas, os pés, os braços. O bumbum. Em frente ao leão de pedra Paciência, — ou era Integridade? — ajustou as sandálias de salto de tiras e a bolsa sobre o ombro, antes de iniciar a comprida subida até a porta de entrada.
Passava do meio-dia. Acordou com o alarme do telefone às sete, tinha ligado para Blanda e tinha deixado uma mensagem dizendo que não se encontrava bem e que iria um pouco mais tarde. A seguir, dormiu até as onze. Despertou sobressaltada, tomou o mais rápido duche de sua vida. Em seguida, Joe lhe mostrou o seu armário, onde encontrou uma blusa e uma saia da Prada com a etiqueta ainda posta. Vestiu-se rapidamente e, depois, ele dirigiu como um louco para deixa-la na biblioteca antes da hora do almoço. O saguão de entrada estava frio e silencioso. Demi inspirou fundo e disse que tudo ficaria bem. As pessoas ficam doentes. Tinha consultas médicas. Entrava mais tarde. Subiu com toda pressa a escada central com o cadeado saltando pesadamente contra seu pescoço. A porta do escritório de Blanda estava aberta e esta a viu imediatamente.
— Ah, olhe quem decidiu levantar-se da cama e nos honrar com sua presença — exclamou.
Demi engoliu em seco, consciente de que as palavras que sua chefe tinha escolhido não eram só uma frase de efeito, mas sim eram intencionais e, se por acaso ficava alguma dúvida, o desprezo de seus olhos azuis a apagou.
Blanda bateu na coxa bronzeada com a mão esquerda e o enorme diamante do anel refletiu a luz do teto. Demi se descobriu observando-o fascinada.
— Sinto muitíssimo — desculpou-se, obrigando a encará-la. —
Não voltará a acontecer. Agora já estou aqui e posso ficar até tarde...
Blanda olhou para seu pescoço e então ela se deu conta de que estava brincando com o cadeado. Imediatamente, baixou a mão.
— Você me decepcionou profundamente — disse a mulher com frieza. — Foi uma das melhores candidatas para o trabalho, mas sem dúvida não a única. A contratei não só por seu currículo acadêmico e as recomendações, mas também porque parecia o tipo de garota que daria prioridade a este trabalho acima de tudo. Que apreciaria...
— E o faço Blanda. Eu aprecio isto. Sonhei com este trabalho quase toda minha vida. Ele isso me motivou durante os quatro anos de carreira. E embora eu ter chegado tarde e faltado um dia, isso não é indicativo do quanto eu levo a sério as minhas tarefas aqui. Cumpri no balcão de empréstimos e o tenho feito bem. Estou comprometida cem por cento com o prêmio de ficção. Eu...
— Está despedida — interrompeu-a Blanda.
Demi a olhou chocada. Algo no rosto da outra mulher lhe disse o quanto estava feliz por ter uma desculpa para despedi-la e sua surpresa se converteu em fúria.
— Tudo isto é realmente por meu trabalho? — perguntou, com o rosto vermelho e o coração acelerado. — Ou tem a ver com seus sentimentos pelo Joe?
— Você pode culpar isso em qualquer coisa que queira. Mas continua demitida. Quanto a ele, não é um empregado remunerado desta biblioteca e eu sim. Eu contrato e demito conforme o considero conveniente. Se me puser a prova nisto, o lamentará.

                                                  ***

Selena retornou ao apartamento às quatro da tarde e deixou escapar um pequeno grito de surpresa quando encontrou Demi sentada no sofá.
— O que faz em casa? — perguntou.
Tinha as mãos tão cheias de sacolas que quase não pôde fechar a porta sem puxar alguma coisa. Demi, apesar de que ter tido várias horas para processar a horrível virada dos acontecimentos, não conseguiu responder à pergunta de sua companheira de apartamento. Seguia estupefata.
Depois que Blanda a despediu, ficou tão desconcertada que partiu sem recolher os livros que tinha guardado sob a mesa nem dizer adeus a Liam ou a Margaret.
Ao pensar na senhora lhe deu um nó na garganta. Lembrou-se que esta ia sair de qualquer maneira. E então, na espiral de colapso do seu estado de ânimo, pensou na festa de gala dos Young Lions que seria em duas semanas e que ela perderia. 
Todos os seus anos de esforço na faculdade, estudando em vez de ir a festas, fazendo recontagens de sua nota como se esses números fossem os blocos de construção de seu futuro, sonhando com o dia em que poderia encontrar um emprego numa biblioteca de verdade; os frios e chuvosos dias de março, quando ela foi fazer as entrevistas para a Biblioteca Pública de Nova Iorque; o perfeito dia de abril em que recebeu a chamada do departamento de Pessoal da mesma e que mudou a sua vida. Tudo o que havia foi para o inferno.
— Despediram-me — comunicou-lhe, com os olhos cheios de lágrimas.
Selena ficou surpresa, como deveria.
— Está de brincadeira — replicou. Uma típica resposta de Selena.
Abriu uma sacola do Whole Food e ofereceu uma espécie de muffin. Demi negou com a cabeça, tanto à oferta de comida como a seu comentário.
— Não, não estou brincando.
— Por que? O que aconteceu?
Selena se sentou no sofá.
Demi não sabia como responder a isso. "Oh, deitei-me com o ex-amante da minha chefe e cheguei atrasada no trabalho, em meio de uma névoa sexual..." — É uma longa história — disse.
— Eu escuto— insistiu Selena.
Seu celular tocou e, algo raro nela, o ignorou.
Demi respirou fundo.
— Cheguei atrasada algumas vezes.
Selena deu os ombros.
— E? Essas coisas acontecem.
— E aparentemente minha chefe e Joe tiveram... — deixou a frase sem terminar deliberadamente.
— Não! — exclamou Selena, inclinando-se para frente com os olhos arregalados.
— Sim.
— Não posso acreditar! Apareceu na minha porta toda quietinha, tímida e inocente. E agora, olhe para você. Está vestida para deixar qualquer um boquiaberto, está saindo com um dos caras mais sexys de Nova Iorque e tem mais drama na sua vida de ninguém a quem eu conheça...
— Acredito que se esquece do tema chave desta conversa: perdi meu emprego. Fiquei sem meu trabalho. Estou tentando não me deixar levar pelo pânico, mas mudei para Nova Iorque por esse trabalho.
Dependo dele. Não sei o que fazer.
— Em primeiro lugar, relaxe. Encontrará outro trabalho. Quer que ligue para algumas pessoas?
— Não ... eu não sei. Eu quero o trabalho que eu tinha. Eu queria ser uma bibliotecária desde que tenho uso da razão. Eu sei que parece insignificante para você e nada glamoroso, mas isto significa alguma coisa para mim.
A expressão de Selena se suavizou.
— Bem, ok. Se você acha que há alguma coisa que eu possa fazer, me diga. Quanto a seu aluguel, não se preocupe por ele. Sabe que eu não preciso do dinheiro. Só uma companheira de apartamento para que meus pais possam ser enganados pensando que não me meterei em problemas.
Demi a olhou surpreendida.
— Obrigado, Selena. Mas agora me sinto mal por não ter completado minha parte do trato, a de te manter afastada de problemas.
Sua companheira riu.
— Bom, isso sim seria um trabalho de tempo integral.
— Falo a sério, mas... obrigada. Embora não aceitarei seu oferecimento. Procurarei um emprego.
— O que disse Joe?
— Não contei ainda.
— Por que não? Ele poderia mover alguns fios por você em algum lugar.
Não disse porque não queria que parecesse que ia direto a ele quando se deparava com algum problema. Não se importava de mostrar-se indefesa no quarto. Mas na vida real era diferente. Como que antecipando o seu raciocínio, Selena acrescentou:
— Olha, eu entendo que você não quer que ele a veja num momento de fraqueza. E faz bem em não querer. Mas esse cara se importa de verdade. Soube na noite que apareceu aqui depois de sua briga. Demi assentiu.
— Sim, já sei que ele se importa. Durante um tempo, não tinha certeza, mas agora sim. Claro que tenho que dizer-lhe e o farei. Só precisava assimilar primeiro. — Olhou seu relógio. — Na verdade, ele vai me pegar em frente a biblioteca em uma hora. Não posso adiar mais.
Pegou seu iPhone e discou seu número. Caiu diretamente na caixa postal.
— Não responde. Vou ter que me encontrar com ele ali. Esperarei lá fora na frente dos leões.
— Os leões?
— Os leões de pedra ao pé da escada...
Selena negou com a cabeça.
— Eu não vou a bibliotecas Demi. E o digo a sério.
Apesar de sua intenção de se esconder na frente dos leões até que visse o carro do Joe, o metrô a deixou na biblioteca às cinco e quarenta e cinco e não podia ficar ali sem fazer nada todo esse tempo.
Decidiu que enquanto esperava falaria com Margaret.
Ela deu conta de que não tinha seu número de telefone e duvidava que a mulher utilizasse o correio eletrônico. Nem sequer sabia quando era seu último dia de trabalho e isso a fez perceber, em pânico, que talvez nunca iria vê-la novamente.
Sabia que era irracional, mas foi esse pensamento o que a fez subir a escada e entrar na biblioteca, arriscando-se a encontrar-se com Blanda.
Por um momento teve o pensamento paranoico de que os guardas de segurança lhe pediriam para sair, mas logo se lembrou que aquela era uma instituição pública e que não tinha sido presa, só a haviam demitido. O guarda de segurança que a saudava com um gesto da cabeça a cada manhã, provavelmente nem soubesse. E assim foi, porque lhe disse olá com a mão quando atravessou a toda pressa o saguão e subiu a escada até o quarto andar.
Demi passou junto à Sala Jonas e desviou o olhar. Se Blanda tivesse descoberto a libertinagem que tinha acontecido ali dentro, a teria despedido há semanas.
A porta da Sala de Arquivos estava aberta. Demi chamou para não sobressaltar a sua companheira. Quando não obteve resposta, entrou. 
— Margaret? — chamou de novo.
— Aqui.
Demi a encontrou subindo numa escada alta, colocando ou pegando um pesado livro numa estante.
— Tenha cuidado! Deixa que te ajude com isso — exclamou, enquanto se aproximava correndo.
A mulher olhou para baixo.
— O que está fazendo aqui? Tinha ouvido falar que você tinha sido praticamente escoltada até a rua — disse com um sorriso. 
Demi a olhou estupefata.
— Estou exagerando, é obvio — tranquilizou-a Margaret .— Mas já sabe como vão os boatos. — Desceu devagar da escada. — Nunca pensei que veria chegar o dia em que alcançar minhas prateleiras favoritas seria um problema que não compensaria a recompensa—comentou respirando com dificuldade. Sacudiu as mãos no vestido.
— Então, o que aconteceu, querida?
— Um desastre — começou ela, tentando conter as lágrimas que escapavam de vez em quando durante as últimas cinco horas. — Faltei um dia e em seguida cheguei tarde e.. acho que a verdadeira razão é que Blanda está com ciúmes da minha relação com Joe.
Margaret concordou.
— Tentei te avisar.
— Sei. Quando me disse do pingente.
— Tenho que reconhecer que não previ que chegaria a isto.
— Não sei o que fazer.
— Se precisar de uma recomendação, estarei encantada de te dar uma. Blanda pode ter sido a sua chefe, mas eu estive aqui o tempo suficiente para te poder abrir muitas portas. Talvez uma organização de alfabetização sem fins lucrativos?
— Oh Margaret. Você tem sido tão maravilhosa... — A mulher a rodeou com o braço e ela respirou profundamente várias vezes para acalmar-se. — Quando é seu último dia? — perguntou em seguida.
— Tinha medo de não poder me encontrar com você.
— Termino na sexta-feira da festa de gala dos Young Lions. Mas por que pensava que não poderia encontrar comigo? Sempre pode me encontrar no Twitter.
— No Twitter?
— Sim. Ou em meu novo blog de resenhas de livros.
— Abriu um blog de resenhas de livros?
Margaret confirmou e procurou um pedaço de papel e uma caneta.
Anotou seu número de telefone e o deu a Demi.
— Vejo você em breve. Deixa que as coisas acalmarem antes de tomar qualquer decisão sobre seu futuro. Às vezes, é melhor começar um novo capítulo.
— Mas você esteve no mesmo emprego durante cinquenta anos.
— Assim é, e se eu posso confrontar a mudança, você também
— afirmou a mulher com seus brilhantes olhos azuis e lhe apertou a mão. — Não é a mudança o que não posso confrontar, é o fracasso.
— Fracassou? Só o tempo pode revelar isso. Em um ano, dois anos, cinco, quem sabe como verá este momento. Poderia ser o ponto de inflexão para o resto de sua vida.

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