terça-feira, 22 de dezembro de 2015

Capítulo 15


E a noite que estava incrível culminou numa perfeita catástrofe novelesca. Enchi a cara, entornei o caneco, enxuguei como uma toalha e outros ditados bebuns. Espírito nem tentou me conter, ele sabia que de nada adiantaria. Deixou que eu me afundasse no álcool e foi um amigo bem prestativo. Disse palavras de consolo e me ajudou a xingar a vadia.

No retorno para a pousada, cambaleando por ruas estreitas, sendo amparada por Espírito, minha rasteira branca literalmente me passou uma rasteira daquelas. A ponta dourada fincou numa fenda do calçamento pé-de-moleque e fui de cara no chão. Por sorte, fiquei sóbria por tempo suficiente para ralar apenas os dois joelhos e uma das mãos, já que meu amigo segurava bem firme a outra. Ele não teve reação para nada, seu reflexo estava bem comprometido. É por essas e outras que vivo dizendo que vou parar de beber. Lembro que comecei a chorar e rir ao mesmo tempo, totalmente surtada. Espírito ajoelhou-se ao meu lado e me deu um caloroso abraço, tão necessário naquele instante.

— Por que estou me sentindo assim? – perguntei, num lufo alcoólico.

— Não sei, Demi. Acho que você não estava preparada para ver o Joseph com outra pessoa.

Ainda mais ela sendo quem é.

— Eu não estou me entendendo.

— Ninguém a entende. Mas olhe, eu estou aqui, sua família ama você e logo a Nauane chegará. Você nunca estará sozinha, eu prometo. – Espírito estava com a voz meio molenga, mas entendi suas palavras de conforto. – Venha, eu ajudo você.

E entre mortos e feridos, chegamos salvos à pousada.
                                            ≈≈≈

Essa ressaca vai me matar.

Tem um galo enorme crescendo na minha cabeça, meus joelhos ardem, a palma da minha mão direita está em chamas… o que mais pode acontecer? Desde que reencontrei Joseph, levei dois baita tombos. Por sorte, ele não viu o segundo acontecer.

Estou no hospital, trancada no meu escritório, montando a apresentação para a administração. Tenho boas ideias para a revitalização da marca e também algumas sugestões quanto aos materiais impressos e a papelaria básica. Mas essa dor de cabeça dos infernos não me deixa pensar com clareza. Checo a bolsa mais uma vez, irritada por não encontrar qualquer remédio que seja. Só então a ficha cai e dou com a testa no teclado do notebook. Como sou estúpida! Isso aqui é um hospital, não? Impossível não terem um analgésico, uma dipirona, ou quem sabe seria melhor um gardenal ou um diasepan bem de leve na veia. Vou enlouquecer com esse sambão dentro da cachola!

Afasto a cadeira e me levanto, sentindo um enjoo surgir lá dos recônditos do meu estômago revirado. Eu tinha mesmo que encher a cara daquele jeito? Quando vou aprender a me controlar?Destranco a porta e saio para o corredor, na esperança de cruzar com alguma enfermeira gente boa pelo caminho. É só um comprimido, nada demais. Vou me arrastando, tateando pelas paredes, a visão ficando turva e então… sei lá o que houve.
                                              ≈≈≈

Escuto palavras soltas no ar.

Tem algo gelado passeando pelo meu peito.

Agora acho que furaram o meu braço.

Meus olhos começam a se abrir, vagarosamente.

E então, a visão do Paraíso.

— Eu morri? – balbucio.

— Ainda não. – reconheço aquela voz, mas de onde mesmo?

É um anjo, só pode ser. Ele veio me buscar, envolto por uma aura prateada, uma luminosidade que me cega. Ah, como ele é lindo. Está tocando harpa? Hum, não se parece com um instrumento musical. Espere aí, é um estetoscópio! Droga, estou no hospital!
Ergo o tronco num sobressalto. Duas mãos grandes entram em cena, pedindo que eu me acalme e volte a deitar. Obedeço, mas não sem resistir um bocadinho.

— O que aconteceu? – apresso-me em questionar.

— Eu é que pergunto. Seu exame de sangue ainda não chegou, mas não precisa ser nenhum Espírito para adivinhar o resultado. Quanto você bebeu ontem e desde quando não se alimenta?

— Droga, Joseph, faça perguntas fáceis. – só então me dou conta do meu braço furado. – Que merda é essa que vocês injetaram aqui?

— Soro e um coquetel. Vai ajudar a curar essa ressaca.

— Quem aqui está de ressaca? – pergunto, indignada.

— Seu hálito a denuncia. – ouço o arranhar de um banco sendo arrastado. Joseph toma assento, fixando meu olhar. – Pensei que tivesse mudado, Demetria.

Não digo nada, fecho-me em copas. Aquela última frase doeu e não tenho defesas para tal afirmação. Joseph tem razão, eu continuo a mesma inconsequente de tempos atrás. Enquanto todos evoluíram, eu ainda sou aquela adolescente babaca que pensa erroneamente que a vida é um parque de diversões. Também acredito que sou a mulher maravilha e posso tudo, sem qualquer regra.

— Demi, não estou recriminando você. – ele toca meu pulso e eu estremeço. – Mas precisa crescer, já está mais do que na hora. – Joseph gira minha mão direita. – Onde conseguiu esse ferimento? E o dos joelhos?

— Foi um acidente idiota. – meu tom de defesa está no mode on.

— Eu cuido disso para você.

— Uma enfermeira pode fazer isso. – rebato.

— Ainda assim, eu farei.


 

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