quinta-feira, 24 de dezembro de 2015

Capítulo 17 (MARATONA 1/5)


— Soube do seu papelão no hospital. Dê graças a Deus por eu estar fora da cidade ou você levaria uma bronca digna de um Óscar. – meu pai está furioso do outro lado da mesa de jantar. Meus avós estão calados, olhando para seus pratos.


— Desculpe, pai.

A fofoca corre solta em Paraty. Esse é o problema das cidades pequenas e foi um dos motivos pelos quais optei por me mudar. Nada passa despercebido, não há onde se esconder.

Meu pai tem razão, foi um papelão. Para quem gostaria de passar uma imagem profissional, de uma mulher bem resolvida, ferrei com tudo na primeira oportunidade.

O jantar transcorre sob um silêncio aterrador. Ajeito-me na poltrona, desconfortável com a situação. Pedi desculpas, mas não sei se surtiu algum efeito. Meu velho está muito puto e não ouso dizer mais nada para inflamá-lo. Mas então, ele deixa os talheres caírem ruidosamente sobre o prato e seu olhar me invade, como uma tsunami mortal.

— Tomei uma decisão, Demetria. A partir de amanhã, trabalhará com os seus avós aqui na pousada. Não quero mais os seus serviços, portanto, não dê as caras lá no hospital.

— Pai! – levanto-me, boquiaberta. Parto em minha defesa, mas ele não quer escutar meus argumentos.

— Já decidi. No hospital você não trabalha mais.

— Eu estou com o projeto pronto, fiz um ótimo trabalho! Por favor, pai, me dê mais uma chance.

— Não! Estou cansado, Demetria. Juro por Deus, pensei que sua estada em São Paulo tivesse mudado essa sua cabeça oca. Você me decepcionou e muito. – ele se levanta e caminha na minha direção, estendendo-me um envelope com o logotipo do hospital. – Eis aqui o resultado do seu exame de sangue. Com o nível de álcool encontrado no seu sangue, fico surpreso por você não ter entrado em coma. Pego o envelope com a mão trêmula e meu pai sai da sala de jantar, deixando-me a sós com meus avós. Meu corpo cai pesado sobre a poltrona e meus olhos ficam marejados de imediato.

Eu o decepcionei, de novo.

— O que acha de darmos uma volta pela orla? – meu avô limpa os lábios e deposita o guardanapo de linho branco sobre a mesa.

— Não estou a fim de conversar, vô. – respondo, infeliz.

— Sem problemas. – ele arrasta a poltrona e se levanta. – Ainda assim, não gostaria de conduzir esse velho numa caminhada para digerir essa comida toda? Adoraria a companhia da minha neta.

Busco o olhar da vovó. Ela me lança um sorriso contido e balança a cabeça, pedindo que eu vá.

Suspiro alto e não tenho como recusar. Aceito, um tanto relutante, esse passeio à beira mar.
                                               ≈≈≈

Caminhamos a esmo, num silêncio reconfortante. Meu avô anda vagarosamente e eu tento acompanhar seus passos imprecisos. A noite já caiu faz algum tempo e uma lua esplêndida nos banha com sua luz dourada e um tanto sentimental. Adoro as noites de lua cheia em Paraty, me lembram daquele luau, do beijo que saiu errado.

Vejo um cara correndo sem camisa em nossa direção. É um moreno alto, bonitão, com ares de atleta. Reconheço-o de algum lugar do meu passado. Quando se aproxima, noto que também me reconhece. Ele diminui o passo e sua face estampa uma real surpresa.

— Demetria! Que bons ventos a trazem?

— Oi, Guilherme. Estou de volta. – aliso os cabelos dourados para trás das orelhas.

— Para ficar?

— É bem provável. – respondo, sem muita certeza na voz.

— Poxa, que notícia bacana. – ele mira meu avô e o cumprimenta. – Caramba, Demi, faz muito tempo, não?

— Uns dez anos, eu acho. – meu sorriso é forçado. – Ainda morando aqui?

— Acabei voltando quando herdei o bar do meu velho. Lembra do lugar? – confirmo com a cabeça. – Quando estiver de bobeira, dê uma passada por lá. Cerveja por conta da casa.

Meu estômago dá loopings afetados quando penso em álcool.

— Pode deixar, Gui.

— E cara, uau, você continua linda. – ele morde o lábio e me dá uma geral com os olhos. – Bom ver você, Demi. E boa noite seu João.

— Boa noite, Guilherme.

O saradão volta para sua corrida noturna e tenho a sensação de que agora que o silêncio foi quebrado, meu avô tomará as rédeas da situação. Dito e feito. Ele inicia um sermão daqueles, onde depois do tapa, assopra o local. Meu avô tem razão em cada palavra proferida. Escuto pacientemente seus conselhos e entramos num acordo. Provarei ao meu pai que cresci, que sou digna de sua confiança. Como farei isso? Rá, eu também adoraria saber.

Quanto ao Guilherme, não senti absolutamente nada ao vê-lo. O cara está o maior gato, como sempre foi. Mas não passa disso, nunca passou. Ainda não sei onde eu estava com a minha maldita cabeça.

Voltamos para a pousada e estou jogada na cama, colocando Nauane a par dos últimos acontecimentos tenebrosos. Sério, não sei como ela aguenta minhas lamúrias frequentes. Mas seja o que for, lá está ela, sempre pronta para me detonar e logo em seguida, aconselhar-me como só uma melhor amiga pode fazer.

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