quinta-feira, 24 de dezembro de 2015

Capítulo 18 (MARATONA 2/5)



Alguns dias se passaram. Meu pai conversa comigo apenas o necessário e finjo não estar ressentida. Sei que mereci ser demitida do meu emprego temporário, afinal não fiz jus à confiança que ele depositou em mim.

Dois casais de turistas canadenses chegaram hoje à pousada e estão apenas de passagem. Nesses dois dias de visita à Paraty, solicitaram ao meu avô uma intérprete, alguém que conheça a cidade. Óbvio que fui cogitada para servir de babá e aceitei prontamente. Meu inglês é aceitável e conheço essas paragens como poucos.

Faremos um tour pela cidade histórica amanhã e, no dia de hoje, sairemos num passeio de lancha pelas ilhas mais famosas. Os gringos curtiram o meu roteiro, principalmente o almoço num restaurante típico situado numa aldeia de pescadores longe o bastante da costa.

Estou com a mochila a tiracolo: toalha de praia, protetor solar fator 60, um borrifador de água termal para o rosto, barrinhas de cereal, um cantil com água, spray para manter os insetos bem longe, uma troca de roupas e outros apetrechos de primeira necessidade.

— Soube que uma tempestade se aproxima. Fique de olho no horário. – meu avô adverte. – De acordo com a meteorologia, deve chegar a Paraty no fim da tarde.

— Certo. Mas fique tranquilo estarei com o Guigo. Se o tempo fechar ele saberá o que fazer.

Guigo é um amigo de longa data dos meus avós. Possui uma lancha charmosa para passeios com turistas endinheirados. Seu pai é dono do restaurante no qual faremos a parada para o almoço. Aliás, meu avô passou um rádio para lá, fazendo o pedido de antemão. A truta demora algumas horas para atingir o ponto certo e quando chegarmos, estará pronta para ser servida.

O dia está lindo e não acho que cairá tempestade alguma. A lancha Oceanic de 32 pés com popa longa, reluz de tão limpa. Está repleta de engradados de cerveja, água e vejo também alguns destilados no cockpit, que aliás, está todo reformado com um novo sofá florido de quatro lugares.

Guigo nos apresenta as duas cabines. A principal possui uma cama de casal e um guarda-roupas embutido. A outra mantém dois beliches e mais nada. A cozinha é bem equipada, mas tão pequena que só cabe uma pessoa por vez. É lá que encontro sua esposa Michele preparando camarões graúdos empanados. O aroma me faz salivar.

Meu inglês colocado em prática até que não soa ruim. Entendo perfeitamente o que dizem e não preciso me esforçar muito nas respostas. Engatamos uma conversa inteligente sobre as desigualdades sociais no Brasil. Esse é um assunto controverso, que não se esgotará tão cedo. Sendo assim, abro uma garrafa d’água – resolvi parar de beber para sempre – e me sento na proa, debatendo as possíveis causas e as soluções para esse país que na minha opinião ainda é o melhor lugar do mundo para se viver.
                                               ≈≈≈

Chegamos a Ilha Grande após um trajeto de quase uma hora e meia. Esse é um dos pontos altos do passeio, afinal, os gringos enlouquecem com a natureza e as histórias desse lugar que já foi refúgio de piratas, hospital de quarentena e também abrigou um presídio de segurança máxima, assim como Alcatraz. Se não me engano, a colônia penal foi desativada em meados de 1994 e então, aberta ao público para visitação.

Reserva da Biosfera da Unesco desde 1992, essa ilha é rodeada por cem praias de areias branquinhas e águas verdes translúcidas, recoberta por quilômetros de Mata Atlântica protegida.

Não há estradas por aqui, portanto, os carros são proibidos. Esse é um lugar daqueles bucólicos, onde as pessoas nem possuem relógios ou celulares. É como uma viagem no tempo, algo que eu adoraria fazer para quem sabe, consertar as milhões de burradas ao longo da vida.

Após a visitação, partimos para o almoço numa pequena aldeia de pescadores a poucas milhas náuticas daqui. O sol está a pino e meu protetor solar não dá conta do recado. Coloco um chapéu sobre a cabeça e fecho os olhos, deixando-me devanear através do forte vento ocasionado pela velocidade da lancha.



O almoço estava divino, como sempre. Os gringos estão embasbacados com as inúmeras possibilidades nesse país gigantesco, rodeado de belezas naturais impossíveis de serem reais.
Os dois casais de canadenses devem ter a minha idade, talvez um pouco menos. São divertidos e as horas estão passando bem rápido, aliás, assusto-me quando Guigo diz que já são cinco da tarde.

Nesse momento, um raio rasga o céu em duas partes.

Nos entreolhamos, em dúvida. Temos uma hora e quarenta minutos de mar para chegarmos a salvo na costa. Guigo entra em contato com a Capitania dos Portos e somos pegos de surpresa quando dizem que o mais sensato é permanecermos na ilha até a tempestade passar.

Só me faltava essa.

Passo um rádio para a pousada e sou repreendida de imediato pelo meu avô. Ele brada do outro lado, dizendo que havia me avisado para ficar ligada no horário. Caramba, eu me distraí, só isso.

— Agora se vire e arrume um lugar para essa turma ficar. Converse com o pai do Guigo, deve haver alguma casa desabitada para passarem a noite. Câmbio.

— Vô, nem pensar em dormir aqui! Câmbio.

— Demetria, nem cogite a possibilidade de voltarem à noite. Se fizer isso darei umas boas palmadas nessa sua bunda. Câmbio final.

Merda!

Mas então, entre lamentações resignadas, eis que alguém entra no restaurante, completamente ensopado. A chuva cai aos montes do lado de fora e nem imagino o que ele esteja fazendo por essas bandas.

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