quinta-feira, 31 de dezembro de 2015

Capítulo 25


Já é fim de tarde quando escancaro a porta do meu quarto para Nauane entrar. Ela deixa as malas num canto e se joga na minha cama, retomando a conversa iniciada ainda na recepção da pousada.

— E então, vamos colocar o plano em prática? – ela incita e eu recuo.

— Nem pensar! Não vou melar esse noivado, isso é demais até para mim. – um tanto estressada, deixo-me cair ao seu lado. – Nanie, e se eu só estiver com ciúmes?

— Ah, no começo pensei mesmo se tratar disso.

— Quando sua opinião mudou? – indago, ansiosa.

— Você sempre mascarou o amor que sente por ele. Vira e mexe o cara entrava nas nossas conversas. E os seus relacionamentos sem futuro? Meu, você realmente não queria se envolver, já que seu coração sempre pertenceu e sempre será do Joseph.

Fito minha sábia amiga. Há um sorriso de entendimento brincando entre suas sardas fofas. Os cabelos castanhos estão espalhados sobre o lençol e ela me encara como se soubesse o que direi a seguir:

— Se ele se casar, serei a mulher mais infeliz desse mundo.

— Eu sei, por isso cheguei em boa hora. Ainda há tempo de ferrar com tudo.

                                                    ≈≈≈

Levo Nauane para um tour pela pousada. Ela esteve aqui por três vezes, mas algumas coisas mudaram desde sua última visita. Meus avós a adoram e Espírito também. Aliás, meu pai até saiu mais cedo do hospital para o jantar em homenagem a essa visita mais do que aguardada.

Relembramos momentos hilários da faculdade e da agência de propaganda. Nanie conta como chutei as bolas do Roger, durante aquela reunião importante para a empresa. Minha avó chora de tanto rir. Que bom que minhas histórias os divertem. Após o banquete, resolvemos sair à caça de uma balada. Estou usando um vestido azul curto e uma jaqueta jeans por cima. Nanie preferiu uma bermuda preta de alfaiataria e uma blusinha branca de gola rulê. E nos pés, sapatilhas mega confortáveis.

Não há nada de interessante nessa cidade hoje. Poucos bares estão abertos e o único que nos chama a atenção pode se mostrar uma péssima ideia. Após deliberarmos os prós e contras, desistimos. Quando já estamos virando as costas, eis que uma voz rouca e extremamente sexy chama o meu nome.

Guilherme.

— Finalmente deu as caras Demetria. – ele se aproxima e não há para onde fugir.

— E aí, Gui. – noto que ele e Nanie trocam olhares quentes e tenho que me conter para não rir.

Apresento minha melhor amiga no mundo e não é que o Guilherme está jogando o maior charme para cima dela? Galinha, sempre galinha.

— Sejam bem-vindas ao Boteco Nas Costas do Padre. – ele toma as mãos de Nanie, desferindo um beijo em ambas. Que malandro safado.

Nas Costas do Padre não era o nome oficial do bar. Mas Guilherme, como todo criativo inveterado, mudou a alcunha do boteco que se localiza atrás da igreja. O padre não deve ter ficado lá muito satisfeito.

— É um imenso prazer conhecê-lo. – minha amiga diz, com sua melhor voz sedutora. Ah meu Deus, devo me preocupar? Enfim, ela sabe onde está se metendo, já contei poucas e boas do Guilherme.

— E então, vamos entrar? – ele pergunta, sorrindo para Nanie.

— O bar está lotado, talvez um outro dia. – digo puxando-a pelo braço.

— Nada disso. O bar está cheio, mas estou com uma mesa bem em frente ao palco. Estamos só eu e um amigo. Será um prazer ter a companhia de tão belas mulheres.

Devo vomitar agora ou mais tarde? Guilherme é tão meloso que chega a me causar náuseas.

— Demetria? – ele me encara, aguardando uma resposta.

Meu olhar recai sobre Nauane e suas pupilas parecem pular dentro das órbitas. Sei que ela quer ficar e não tenho como negar isso. Contrariando todo o meu bom senso – já não tenho muito mesmo – decido — Ok, vamos ficar.
                                                 ≈≈≈

O boteco está atulhado de pessoas que aguardam a banda subir ao palco. É um lugar jeitoso, rústico e com um ar vintage que chama a minha atenção. Há uma imensa estante de madeira, com inúmeras garrafas de whisky, todas etiquetadas com o nome do dono da bebida. Esse bar sempre foi o point dos amantes de destilados e jogadores de poker.

Desviamos de garçons e pessoas falantes, chegando à mesa apontada por Guilherme. Quando miro as costas do amigo dele, a respiração falha de imediato. Meus pés enraizam no chão e me recuso a andar. Notando que estou prestes a correr para bem longe, Guilherme passa o braço sobre meus ombros, sussurrando a seguir:

— Ele não morde, fique tranquila.

— Gui, não posso ficar.

— Ah, você pode sim. – ele praticamente me arrasta até a mesa. Ainda tento me desvencilhar, mas então, Joseph gira a cabeça e nossos olhares se encontram em meio ao burburinho. Assim fica difícil recuar.

— Olhe quem eu achei perdida por aí. – Guilherme faz as honras, puxando duas cadeiras para sentarmos. – Essa aqui é a famosa Nauane, de quem o Espírito sempre fala. – ele a apresenta e não sei o que fazer ou dizer. Afinal, onde está a noiva dele?

Com ambas as mãos, Guilherme força meus ombros para baixo e eu me sento, contrariada. Parece que zilhões de alfinetes espetam a minha bunda e uma angústia sem precedentes cresce em meu peito.

— Boa noite Demi. – Joseph acena com a cabeça e parece tão ou mais alarmado do que eu.

— Oi Joe. – respondo num fio de voz.

— Chopp? – Guilherme chama o garçom.

— Parei de beber. – aviso e aqueles três me olham como se eu não fosse desse planeta. – Qual o espanto? – irrito-me.

— Suco de limão? – Guilherme oferece.

— Pode ser. – dou de ombros.

Nesse ponto, Nanie e Joseph engatam uma conversa e começo a temer com possíveis especulações sobre o meu passado. Ela me lança uma piscadela e relaxo, na certeza de que minha amiga não dirá nada além do necessário.

A banda sobe ao palco e a galera aplaude, ensandecida. Nos primeiros acordes, entendo o porquê do boteco estar lotado. O show de blues começa e giro a cadeira para a frente, ao lado de Guilherme. Apesar de estar louca para dar uma olhada de esguelha, finjo que Joe e Nanie não estão ali, na maior fofoca.

Mas sobre o quê esses dois tanto falam?

Noto uma movimentação às costas. Giro o pescoço e Joseph se levanta, com o celular à mão. Diz qualquer coisa e se dirige para a saída do bar. Encaro Nanie com as sobrancelhas bem erguidas, interrogativas.

— É do hospital. – ela revela.

— Hum. – levo os cotovelos à mesa, sustentando a cabeça entre as mãos. – Sobre o que estavam falando?

— O que acha? – ela me lança aquele sorriso enigmático que odeio.

— Não é óbvio? – Guilherme se mete.

— E quanto a você senhor Guilherme, o que pensa estar fazendo? – interpelo.

— Quer realmente saber? – apesar do som estar alto, escuto perfeitamente a sua voz. – Tenho esperanças que sua chegada destrua aquele casamento fadado a infelicidade. – engulo com dificuldades e ele continua: – Joseph não pode se casar com aquela mocreia, não suporto a ideia do meu amigo entrar nessa roubada. Só você pode salvá-lo de cometer um grave erro Demetria.

Nanie e eu nos entreolhamos pasmas. Tenho que repetir mentalmente o que acabo de ouvir. A expressão de Guilherme comprova a veracidade de seu desabafo.

— Olha Guilherme, não sei sua versão dos fatos, mas concordo plenamente com você. – Nanie joga a merda na mesa e levo as mãos à cabeça prevendo a união desses dois contra o casamento de Joseph e sua megera.

— Parem. – peço, suplicante. – Vocês não sabem o que estão dizendo.

— Ele não ama a Samantha. – Guilherme coloca sua mão sobre a minha. – Ele nunca amou outra mulher.

— Ele disse isso à você? – estou prestes a surtar.

— Nem precisa. Eu sei. – Guilherme respira e me encara nos olhos. – Quando você foi embora, ficamos brigados por algum tempo. A Samantha se aproveitou do momento de fragilidade e deu o bote.

— Espírito me disse que ela não é tão ruim assim. Até o incentivou a estudar fora do país, mesmo sabendo que poderia perdê-lo. – sério mesmo que estou defendendo aquela tosca?

— Como você é inocente Demi. – ele ri na minha cara. – A mimadinha só fez isso por acreditar que se ele ficasse no Brasil, poderia ter uma recaída e correr atrás de você. – Guilherme aperta a minha mão. – Ainda acha que ela agiu de boa fé?

Ah, agora está tudo muito claro. Achava mesmo que faltava uma peça nesse quebra-cabeças do capeta.

— Biscate. – murmuro, entredentes.

Joseph volta para a mesa e o assunto morre. Desculpando-se por precisar sair às pressas, mas havia
 uma emergência no hospital. Despede-se de Nanie com um beijo na bochecha, de Guilherme com um aperto de mão firme e da sem noção aqui, apenas um meneio de cabeça.

Oh, mundo cruel!

Quando Joseph nos deixa a sós, esses dois bem que tentam voltar ao assunto “Melando o casamento”, mas corto o papo pela raíz. Se for como Guilherme contou, não serei eu a dar um ponto final nisso. Mas tenho que dar o braço a torcer, eu adoraria ver aquela arrogante se ferrar.



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