segunda-feira, 4 de janeiro de 2016

Capítulo 30 MINI MARATONA 3/5



Ando de um lado para outro nessa varanda mal iluminada. Estou a ponto de fazer um buraco no piso frio. Processo todas as explicações tanto na mente, quanto no estômago. Ai, cara, estou enjoada. Segundo meu pai, que demorou algum tempo para me acalmar, essa pegação começou há mais de um ano. Eles se reencontraram em Foz do Iguaçu, onde meu velho participava de um congresso médico e minha mãe, de um congresso ufológico.

Mas o que está me tirando do eixo é essa falta de consideração. Por que não fui informada? Qual o intuito de me esconderem algo assim? O que pensavam, com essas cabeças degeneradas, estarem fazendo? Protegendo-me? Eu não sou criança, pô!

— Demetria, você precisa entender. – meu velho leva as mãos aos meus ombros.

— Não, realmente eu não preciso. É por culpa dela que você ficou arrasado. Foi pelo egoísmo dela que minha cabeça entrou em parafuso.

— Não culpe a sua mãe pelas besteiras que fez na vida. – meu pai parte em defesa e eu fico irada.

— Como não? – elevo a voz. – Se ela não tivesse fugido, eu provavelmente seria alguém muito diferente e não teria tantas paranoias. Talvez fosse eu a me casar com o Joe e não aquelazinha.

Eu disse essa última frase em voz alta, em meio a lágrimas escaldantes? Ai. Meu. Deus.

Meus pais se entreolham, incertos. Minha mãe se levanta do banco que ela mesma pintou quando eu tinha uns dez anos. Até me lembro de tê-la ajudado a envernizar.Ela se aproxima, na verdade parece flutuar na minha direção. Toca meu rosto com ambas as mãos e enxuga minhas lágrimas que queimam ao contato com a pele. Ah, como ela está linda. Seus cabelos cor de Mel caem em cachos até os ombros. Seus olhos, também da cor do Mel, irradiam uma paz profunda e possuem um brilho etéreo. Algo me diz que ela encontrou o caminho para a iluminação, até o seu toque tem um quê de divinal. Tanto é verdade que sinto um tremenda calma me invadir. Se foi o toque de suas mãos ou sua presença, eu não saberia dizer.

— Demetria, me perdoe. Sei que já pedi inúmeras vezes, mas um dia você terá que deixar essa mágoa partir. E quanto ao Joseph…

— Não quero falar sobre isso. Esqueça o que eu disse.

— Como posso esquecer? – suas sobrancelhas se elevam. – Sei que está sofrendo, eu posso sentir. Filha, estou aqui para ajudá-la. Seu pai e eu só queremos o melhor para você. E quando houve aquele acidente na praia, nós decidimos lhe contar sobre essa reaproximação.

— Se você quisesse mesmo o melhor, não teria partido. – de repente me sinto pesar toneladas.

— Talvez um dia você entenda os meus motivos.

— Olhe, se meu pai está feliz, fico tranquila. Agora, se ousar machucar esse homem novamente, prometo a você que será a última vez. – dito isso, entredentes, sigo para o meu quarto, batendo a porta com tanta força que as paredes reclamam, gemendo.

                                             ≈≈≈

Passa das oito da manhã e nada da Nauane. Devo me preocupar? Ligar no celular? Chamar o Corpo de Bombeiros? Antes que eu pegue o telefone e disque para a polícia, ela entra no quarto, com aquela cara de quem comeu e se refastelou.

— Caramba, você está flutuando como a minha mãe.

— Ai, que noite! – ela se joga na minha cama e então me encara, inquisitiva: – Como assim flutuando como a sua mãe?

— Ela está aqui, no quarto ao lado, dividindo a cama com o meu velho.

— Você está me zoando!? A sua mãe? Aquela sua mãe?

— É, quer que eu desenhe? – pergunto, preguiçosamente.

— Demetria, desembucha!

E eu despejo toda a tralha sobre a cama. Nanie está pasma, concordando e discordando com a cabeça, ouvindo atentamente minhas lamentações e rindo da minha fúria incontida.

— Cara, eu não entendo você. É a sua mãe, isso não é demais?

— Está de sacanagem comigo? Escutou alguma palavra do que eu disse? – estresso. – Ah, quer saber? Me conte sobre a noite com o Guilherme, deve ser uma história muito mais divertida.

E não é que a noite Nauane versus Guilherme se mostrou uma grande surpresa? Ela conta, com os olhos em chamas, que dançaram e beberam até o boteco fechar. Depois disso, a bordo de um conversível, ele a levou para sua casa-barco. Sim! O cara mora num barco luxuoso, que fica ancorado na Marina.

De lá, navegaram algumas milhas náuticas e o Guilherme baixou a âncora no meio do mar, sem nada em volta para atrapalhar. Segundo ela, além de experiente – o que eu já suspeitava – também foi extremamente romântico e delicado. Está aí uma coisa que eu não imaginaria nem em mil anos. Para fechar a noite, Guilherme ligou o som ambiente e os dois dormiram abraçadinhos, embalados apenas pelo balanço do barco e o pisca-pisca das estrelas.

Droga, tem uma ponta de inveja me cutucando nesse exato segundo.

Não! Não posso deixar esse bicho invejoso me picar. Nanie é minha Melhor amiga no mundo e eu desejo, do fundo do coração, que ela encontre um cara bacana para chamar de seu. Mas tenho cá minhas dúvidas quanto ao Guilherme ser esse cara.
                                                ≈≈≈

Antes do café-da-manhã, invado a cozinha da pousada. Espírito leva um tremendo susto quando lhe dou um beliscão no braço. Meu amigo me encara, com uma interrogação gigante no semblante.

— Seu traidor, filho da mãe.

— O que eu fiz? – ele arregala os olhos.

— Manteve o Joseph a par da minha vida amorosa em São Paulo. – cuspo.

— Ah, é isso. – ele baixa a cabeça e sorri. – Demetria, o Joseph é como um irmão para mim. E ele sempre perguntava por você, especulava todos os detalhes.

— E o que eu sou para você? – ergo a voz, descrente.

— Você é uma das melhores amigas que tenho. – ele leva a mão ao peito. – Demetria, eu amo você. E é provável que se tivesse perguntado sobre o Joe, eu também teria lhe contado. Mas você nunca demonstrou qualquer interesse, como se realmente o tivesse apagado da sua vida.

— Eu tentei! – choramingo. – Eu queria muito saber sobre ele, mas não tinha coragem de perguntar. E como você também não dizia nada, achei que deveria deixar do jeito que estava. – bato em seu braço, com força. – Você deveria ter dado com a língua nos dentes e me contado sobre a biscate da Samantha.

— Mas eu contei Demi! – ele se defende.

— Foi tarde demais.



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