segunda-feira, 4 de janeiro de 2016

Capítulo 31 MINI MARATONA 4/5



Cruzei com a minha mãe quando saí da cozinha. Ela me fitou com aquele olhar amoroso de sempre e não consegui dizer nada ofensivo. Mas isso não quer dizer que os palavrões não povoaram a minha mente. Mamys até tentou puxar conversa, mas me esquivei dizendo que estava atrasada para um compromisso.

Aliás, a mais pura verdade.

Após o café-da-manhã e um bronca bem dada nos meus avós, já que eles sabiam dessa reaproximação dos meus velhos, segui Nauane para um passeio improvável ao lado de seu novo affair: Guilherme.

Estamos no Divino Poseidon. O barco é imenso e quando a Nanie disse que era luxuoso, minhas imagens mentais não chegaram aos pés do que vejo agora. O lugar se parece com uma casa de revista, com ambientes tão bem decorados que chegam a dar um nó nos olhos e até um certo receio em quebrar alguma coisa.

Espírito não pôde me fazer companhia e eu quase desisti. Mas Nauane e Guilherme foram persistentes ao extremo. Sei que esses dois estão unidos em prol da operação “Melando o casamento” e de alguma forma tentarão me dissuadir a ferrar com tudo. Não estamos apenas os três na embarcação. Há um chef de cozinha e duas assistentes que perguntam, a cada cinco segundos: “Desejam mais alguma coisa? Estão bem servidas? Quer que ajeite o guarda-sol?”.

Coisa mais chata.

Nauane está achando tudo o máximo, não consegue conter os suspiros apaixonados e começo a temer, silenciosamente. Eu não queria que ela voltasse para São Paulo, mas estou mudando rapidamente de opinião. O Guilherme é um cara sedutor, inteligente, rico, além de ser lindo de viver. Que mulher resiste a isso? Como duas madames da high society, estamos deitadas em espreguiçadeiras, bebendo em copos altos, com frutas nas bordas e um guarda-sol colorido para arrematar. O drinque está perfeito, ultragelado.

— Vai me dizer o porquê do convite ou não? – atiro a pergunta.

— Você é perspicaz, já deve saber o motivo. – Nanie sorve o restante da bebida e deposita o copo numa mesa de apoio. – Só nos ouça. A decisão final é sua.


                                                 ≈≈≈

Os planos daqueles dois soaram infalíveis aos meus ouvidos. Não tenho dúvidas de que surtiriam os resultados almejados. O que eles não conseguem entender – ou não querem – é que melar esse casamento é muito fácil, o complicado será manter minha consciência em paz depois de um feito como esse. E se o Joseph realmente estiver apaixonado pela bruaca? Duvido que ele se casaria se não sentisse absolutamente nada por ela. Quando dou voz a esses pensamentos, Guilherme atira, a queima roupa:

— O sentimento do Joseph é um só: gratidão.

— Não pode ser somente isso. – levo as mãos aos cabelos, alisando-os impaciente para trás. – Os dois são médicos, devem ter muito em comum.

— Qual é Demetria. – Guilherme ri na minha cara. – A única coisa que aqueles dois possuem em comum é o lugar onde trabalham. A jabiraca tem medo de água, odeia areia, não suporta os amigos do Joe… cara, é o diabo encarnado!

— Você está conjecturando. Talvez deva perguntar a ele os motivos desse casamento. – pondero.

— Eu já questionei, mas ele sempre se esquiva. – Guilherme revela. – Demetria, ele vive do passado, se nutre do que tiveram juntos. E desde que vocês se reencontraram, ele é outra pessoa.
Posso dizer, com toda a certeza desse mundo, que o Joseph renasceu.
                                               ≈≈≈

Acabamos de almoçar e a afirmação do Guilherme não me sai da cabeça. Na proa, sinto o vento bagunçar meus cabelos soltos enquanto inspiro e expiro pausadamente. Giro sobre os chinelos e a cena que vejo faz meu coração bater mais forte. Guilherme e Nauane são lindos juntos. E para completar esse pensamento, minha voz interna sussurra, com todas as letras: “Eles foram feitos um para o outro.”

Uma lucidez alarmante toma conta dos meus sentidos. Se eu não tivesse fugido para São Paulo, nunca teria conhecido Nauane. E se eu não tivesse conhecido minha melhor amiga no mundo, ela e Guilherme não estariam juntos nesse instante.

Caramba, minha mãe ficaria orgulhosa desse meu entendimento transcendental dos fatos. Mas agora, surgem as questões: estamos todos a mercê do destino? Não temos livre-arbítrio? Caminhamos nessa vida sempre regidos por um poder maior? Nossos finais já estão traçados, sem direito a barganha ou atalhos?

Antes que eu me afogue em devaneios, volto o olhar para o horizonte. Um tanto confusa com a imagem que se apresenta, estreito o olhar. Tiro os óculos para ter certeza e então, grito para que Guilherme chame a Guarda Costeira.
                                              ≈≈≈

O iate está em chamas. Uma fumaça negra se desprende da embarcação, subindo em espiral. Duas lanchas estão bem próximas, ajudando como podem. Só então, reconheço o logotipo do hospital em uma delas. Da forma como o destino anda me sacaneando ultimamente, já posso imaginar quem a esteja conduzindo: Joseph.

Mas onde ele está?

Meus olhos vasculham, apressados. Noto que o fogo parte dos andares abaixo e está se alastrando rapidamente. Pessoas se jogam na água, vestindo coletes salva-vidas. Um pavor insano queima a boca do meu estômago, não vejo Joe  em lugar algum! Guilherme aproxima-se da embarcação em chamas, jogando a âncora. Nanie aponta para duas mulheres que nadam frenéticamente em nossa direção. Ajudamos no resgate e enquanto uma chora copiosamente, a outra conta o que houve com o iate.

— São cinquenta pessoas a bordo, talvez mais. Os turistas estão todos hospedados num Resort em Ubatuba. Ouvimos uma explosão e o fogo começou. Pelo que os tripulantes disseram, tem pessoas presas no andar debaixo. Um médico e um enfermeiro que viram o que aconteceu, estão ajudando a apagar o fogo.

O quê?????????????

Agarro o braço da mulher dos cabelos cor de cobre. A princípio, ela se assusta, mas logo entende meu nervosismo. Descrevo Joseph, atropelando as palavras. E então, meu sangue congela dentro das veias quando ela meneia a cabeça, positivamente.

Meu horror não passa despercebido. Nauane me segura pelos ombros, mas não é rápida o bastante. Quando estou a ponto de me jogar na água, sou atirada para trás, presa numa chave de pescoço.

— Segure essa doida aí. – Guilherme pede para Nanie enquanto eu me debato, ensandecida. – Eu vou até lá.

— Guilherme, não! – minha amiga grita, mas já é tarde.

Ele salta do barco e tento segui-lo, mas Nauane me segura pelos ombros, desferindo um tapa na minha cara. Foi bem de leve, mas o suficiente para escutá-la.

— Pare com isso, Demetria. O Joseph ficará bem. Agora venha, me ajude a resgatar esse povo na água.

Como Nauane consegue ser tão centrada?

Ouço as sirenes dos barcos de salvamento ao longe. Olho para cima e vejo um helicóptero se aproximando, sobrevoando o local e jogando montes de água sobre o iate. Apesar de abalada, não me deixo paralisar e auxilio Nanie no resgate de mais duas pessoas: um senhor idoso e uma mulher de meia idade.

A outra lancha resgata três crianças. É nesse momento que os barcos de salvamento tomam posição e um bando de homens inicia o procedimento padrão.

Pelo rádio, nosso chef de cozinha avisa que existem pessoas presas dentro da embarcação. A resposta é curta, mas me dá esperanças: “Faremos o impossível.”
                                            ≈≈≈

Somos obrigados a nos afastar do local do acidente. De acordo com o último reporte, há riscos de novas explosões. Não tenho habilitação para navegar um barco dessa proporção e somente nesse momento, descubro que além de chef, nosso cozinheiro também é capitão.

Nenhuma notícia do Joseph ou do Guilherme. Para distrair minha cabeça fervilhante, sirvo água com açúcar e pego toalhas secas para os nossos sobreviventes.

Noto que Nauane está agitada e não quer transparecer. Abraço-a por trás, mirando o iate flamejante. Ela deita a cabeça em meu ombro e a sinto estremecer. Ouço seus murmúrios e acho que está rezando. Talvez eu devesse fazer o mesmo, mas não tenho a menor ideia de como rezar. Nesse caso, peço a Deus que tudo acabe bem, que Joseph e Guilherme saiam inteiros daquele lugar. Não sei como ainda estou de pé, mas o fato é que estou ligada, com a adrenalina correndo solta pelas veias. O medo dá uma estranha sensação de poder, como se pudéssemos erguer uma montanha. Talvez, por esse motivo, tantas pessoas se viciem em esportes radicais.

— Droga, onde eles estão? – Nanie choraminga, ainda com a cabeça em meu ombro.

Parte do incêndio foi controlado. Um ou outro foco teima sob os jatos d’água. E se eu estiver enxergando direito, o barco está submergindo. Cordas foram atreladas, para segurá-lo na superfície. Essa falta de informações está me deixando louca. Como se tivéssemos combinado, eu e Nanie expelimos todo o ar dos nossos pulmões, em uníssono. Joe e Guilherme estão visíveis, um amparando o outro. Pessoas surgem na cena e fica claro que ficará tudo bem.

Obrigada, Deus. Estou devendo uma.

Guilherme acena e aponta para a lancha do hospital. Entendo o recado e corro para o cockpit, aguardando um contato de rádio. Nauane está na minha cola, doida para xingá-lo de todos os palavrões conhecidos.

— Sigam para a Marina, nos encontramos no Píer. Câmbio. – Guilherme transmite.

— Seu desgraçado, você quer me matar é? – Nauane brada e arranco o comunicador das mãos dela.

— Gui, vocês estão bem? Machucados? Câmbio.

— Estamos bem, fiquem tranquilas. E diga para a Nanie que vou matá-la sim, mas será de uma forma que ela vai amar. Câmbio final.

Perco o controle e estou rindo, de chorar. Nauane leva as mãos aos cabelos desgrenhados e também desata a rir. O chef-capitão nos expulsa do cockpit e assim seguimos de volta à Marina.

A lancha do hospital se aproxima. Antes mesmo das cordas serem atreladas, nos jogamos para dentro da embarcação, a fim de conferir de perto o estado daqueles dois. O enfermeiro mencionado é ninguém mais, ninguém menos do que o irmão do Espírito. Aparentemente ele está bem, com uma pequena queimadura no antebraço. Nauane se joga sobre Guilherme, sufocando-o. Ele sorri e diz que nunca foi saudado assim por nenhuma mulher antes. Segundo ele, pode ficar mal acostumado. Joseph desliga o motor e sua roupa branca está colada ao corpo. Gira sobre os tênis brancos e dou uma geral no seu estado. A camiseta está rasgada, há um corte em sua mão e parte do seu ombro está com a pele avermelhada, acho que se queimou.

Aproximo-me com o coração querendo escapar pela boca. Nossos olhares estão unidos por um fio invisível, que não nos permite enxergar nada ao redor. Estou ofegante e sei o que desejo fazer nesse instante. Só não sei se devo.

— Essa experiência de quase-morte poderá mudá-lo drasticamente. – começo. – Pensou nisso quando pulou para dentro daquele barco em chamas?

— Não tenho nada a perder Demetria. – ele diz, tristemente.

— Como pode afirmar uma coisa dessas? – pergunto, indignada.

— O que você queria que eu fizesse? Assistisse apenas?

Não respondo. Avanço em sua direção, elevando minhas mãos. Toco os dedos em seu rosto suado e sujo de fuligem. Ele não se move, mas fecha os olhos e arqueja. Suas mãos estão sobre as minhas e me sinto pegar fogo. Juro que tento me controlar, mas é humanamente impossível. Colo meus lábios nos dele e pensei que o beijo seria unilateral, mas não. Joseph corresponde, com língua e tudo! Aê, palmas para a minha pessoa, eu mereço!

Suas mãos descem até a minha cintura, puxando-me para mais perto. Já eu, estou agarrada em seus cachos úmidos e não me canso de explorar cada milímetro de sua boca farta, cálida, vulcânica.
Meu peito parece que vai explodir e este beijo abrasador demonstra o quanto ele me deseja, o quanto me completa. Com ele, sinto que tenho o poder da minha vida nas mãos, que a felicidade existe e ela está bem aqui, beijando-me de forma ardente.

Joseph foi feito sob medida para mim.

Ele é o meu homem perfeito.


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