sexta-feira, 30 de outubro de 2015

Capítulo 32



Capítulo 32


A loja de roupas estava escondida uma rua secundária do Village, não muito longe de seu apartamento. Apesar do perto que ficava de sua casa, nunca tinha reparado nela. Chamava-se Guinevere e, a diferença das outras marcas extremamente conhecidas do distrito comercial, não havia manequins nem roupa na vitrine, só cortinas de veludo vermelho que ocultavam o interior.
Joe segurou a porta e Demi entrou. Ofegou. A loja era de estilo rococó, além de punk e com um pouco da Alicia no País das Maravilhas. A única coisa que faltava era que polvilhassem um pingo de pós-mágicos quando entraram.
As paredes estavam cobertas de murais fotográficos de mulheres de pele muito clara, longos e esvoaçantes cabelos loiros ou rosa claro como algodão doce, bochechas rosadas pelo blush e vestidos barrocos com toques punks próprios para os contos de fadas: botas de combate, espartilhos, asas de borboletas. Os móveis — poltronas empetecadas, espelhos com molduras de bronze apoiados nas paredes e lustres de cristal de cinco andares — poderiam ter saído do set de filmagem de Maria Antonieta. Os vestidos, pendurados em cabides intercalados entre as ornamentadas peças de mobiliário, não eram vintage, a não ser interpretações contemporâneas de todas as fases do desenho romântico da era elisabetana.
— Pamela está? — perguntou Joe a uma das vendedoras.
A mulher era minúscula, ia vestida toda de branco e tinha uns olhos pequenos sob uma densa franja cortada de forma similar ao de Demi. Quando esta inclinou-se sobre uma prateleira, quase derrubou uma taça de porcelana de bordas douradas.
— Está no camarim. Joe pegou a mão de Demi e a guiou através do labirinto de vestidos, mesas e cabides até a parte de atrás da loja. Atravessaram outra cortina de veludo que dava a uma sala menor. Essa sala estava vazia, exceto por meia dúzia de vitrines.
— Olá Joe — saudou uma ruiva alta que se levantou de uma poltrona eduardiana estofada em verde militar e dourado.
— Pamela — respondeu ele e a beijou no rosto. Demi tentou não sentir ciúmes enquanto se perguntava se Pamela também fazia parte da "comunidade", como ele tinha chamado. Odiava como começava a ver todo mundo através da perspectiva de que relações tinham com Joe.
— Esta é minha amiga Demi. Ela o olhou pensando que "amiga" era um estranho significado para descrever sua relação. Mas esse era o problema. O que eram? Amantes? Colegas de bondage?
— Um prazer em conhece-la — disse Pamela com um sincero sorriso, enquanto lhe estendia a mão. — E o que procuram hoje?
— Ela precisa uma máscara — respondeu Joe. Demi o olhou surpreendida. O primeiro que lhe veio à cabeça foi uma dessas máscaras do Halloween que se exibiam no Ricky'S. Mas Pamela os guiou para uma das vitrines mais próximas e ali descobriu um colorido e sortido de ornamentadas máscaras próprias para um baile de máscaras formal. Dourados, azul lavanda, pretos, com lentejoulas, com plumas, com franjas, adornados com brocados e laços.
— Essa leva duzentos cristais Swarovski incrustados — comentou a mulher ao perceber o interesse da Demi por uma peça dourada no centro. Tirou um chaveiro, abriu a vitrine e estendeu-lhe a máscara.
—Prova esta — animou-a Joe quando viu sua vacilação. Demi o fez e a deslizou pela cabeça. Ele a ajudou a coloca-la para que descansasse na ponte do nariz. Surpreendeu-a com a claridade com que podia ver pelos buracos dos olhos. E também como parecia sólida, a diferente das máscaras de papelão que as pessoas usavam nas festas de fim de ano. Pamela ofereceu um espelho. Demi se olhou e sorriu.
— É linda — exclamou.
— Foi fácil — comentou Joe. — Não há nada melhor que uma mulher decidida. — Dedicou-lhe um sorriso de aprovação e ela sentiu que uma onda de satisfação a inundava. Não estava acostumada a agradá-lo fora do quarto. Sentiu se bem. Isso a fez pensar que possivelmente, depois de tudo, havia uma possibilidade de que a relação adquirisse outra dimensão. Ela tirou a máscara e a entregou à Pamela.
— Algo mais? — perguntou esta, enquanto se dirigia à caixa, na parte dianteira da loja.
— No momento não, — respondeu Joe. — Mas se não encontrarmos o que necessitamos no centro, possivelmente voltaremos. O carro os esperava do lado de fora.
— Para que tudo isto? — perguntou Demi, uma vez que pegava a bolsa da mão.
— Esta noite vamos ao Baile Bondage — disse-lhe, enquanto abria a porta do Mercedes. Neste dia era ele que estava dirigindo e ela se sentou a seu lado no assento do passageiro. Preferia isso à formalidade do chofer em suas habituais saídas.
— Oh, Meu Deus, o que é isso?
—Não é um baile de verdade. Só uma grande festa — esclareceu.
— Mas o bondage faz parte disso. Demi engoliu a seco.
— Tem certeza de que é uma boa ideia? Quero dizer, não tenho nenhum problema com tudo o que fazemos, mas não posso imaginar estar em um lugar público...
— Não é público. É uma festa privada. E não tinha planejado ir, mas com a discussão que tivemos sobre Blanda me fez pensar que precisamos de um pequeno exercício de confiança.
— Não foi uma discussão exatamente... — apontou Demi.
— Está bem, um mal-entendido ou como quiser chamá-lo.
— Apertou-lhe a mão. — Fez que reconsiderasse ir ao do baile. Acredito que será bom para nós.
— Blanda estará ali?
— Não, — respondeu. — Por que estaria?
— Disse que ela formava parte da cena... ou da "comunidade", ou como é que o chama.
— Oh, sim. Bom, não desde que se comprometeu. Seu noivo é baunilha. Demi não tinha nem ideia do que se referia. Que era branco?
— E eu não sou baunilha? — perguntou. Joe riu.
— Você é adorável.
—Não me trate com condescendência— protestou ela, sentindo-se estúpida.
— Não o faço! Não vê que estou louco por você? Acordo de manhã e já planejo nosso dia... e a nossa noite. Sempre está na minha mente, Demi. Cativou-me por completo. Sinto-me possuído. Sinto-me sob o feitiço de uma dessas fadas mágicas das paredes do Guinevere. Ela se virou para olhar pela janela.
— Aonde vamos agora?
— Ao Louboutin. Como pode ir a um baile sem seus sapatos de cristal? — perguntou-lhe com uma piscada.

                                           ***

O Hotel Jane era um centenário edifício georgiano no longínquo West Side. O ultramoderno hotel boutique, em seu momento refúgio para os marinheiros cansados da viagem, era o lugar onde se celebrava o Baile Bondage.
— Este lugar tem muita história, um passado notável — explicou-lhe Joe. Demi agarrava com força no seu braço, apenas capaz de caminhar pelas pavimentadas ruas do Meat Packing District com seus novos sapatos de salto Christian Louboutin. Estava menos preocupada com cair do que por danificá-los, porque eram uma magnífica obra de arte. Os saltos, de dez centímetros e de cetim preto, com a típica sola vermelha, levavam incrustações de cristais em forma de estrelas, similares a flocos de neve.
— Não é o passado o que me preocupa — especificou Demi.
— a não ser o presente. Ainda não podia tirar da cabeça as palavras "Baile Bondage". E não podia dizer que gostava de como soavam.
— Trouxeram para cá os sobreviventes do Titanic. Os mantiveram aqui até que finalizassem a investigação judicial americana 
— explicou-lhe Joe. 
— Isso é assombroso — ela reconheceu, mas tinha seu próprio desastre para preocupar-se.
Joe a conhecia já o bastante bem para perceber sua ansiedade e lhe deu uns tapinhas na mão que tinha apoiado no braço.
— Relaxe. A única coisa que tem que saber desta noite é que ninguém tocará você além de mim. Entendeu? Assentiu, mas não se sentiu nada reconfortada. Não sabia exatamente o que a preocupava. Possivelmente a ideia de que outra pessoa a "tocasse" era muito específica. Era uma inquietação maior a respeito de estar em público, estar entre pessoas num acontecimento social onde todo mundo sabia que o tema da noite era seu particular tipo de sexualidade. Embora ficassem ali de pé bebendo vinho e comendo salgadinhos de queijo, todos sabiam. Aquilo não era simplesmente um joguinho privado entre Joe e ela. Essa noite era de verdade.
E ainda estava pensando na conversa com Margaret.
Joe a pegou pela mão, subiram a escada do hotel e pararam em frente a porta.
— Ponha máscara — disse.
Ela estava segurando-a desde que tinham saído do carro e quase se esqueceu dela, embora a levava sob o braço, porque era muito grande para que coubesse na sua pequena bolsa de mão.
Ele a ajudou a colocar e depois colocou a sua, uma totalmente preta. Usava um smoking também preto. Demi também ia com essa cor, com um assombroso conjunto Morgane O Fay, que era mais um disfarce que um vestido. Estava composto por um Top de cetim e organza que se cruzava na frente e amarrava na cintura com um laço preto. A saia-balão era modificada, com metade da seção em tule opaco que fazia necessário um pequeno forro de seda. Se havia algo que servia de consolo era que não se sentia absolutamente ela mesma. Aconteça o que acontecer, poderia fingir que estava interpretando um papel.Entrou com a mão segurando o braço de Joe. O vestíbulo era pequeno, com tetos altos decorados com plantas de grandes folhas em vasos de barro, a cabeça de um alce americano na parede, um candelabro e um antigo balcão de madeira com um mensageiro vestido formalmente, que incluía um colete marrom e um quepe. Demi se sentiu como se estivesse num filme do Stanley Kubrick.
— Boa noite — saudou-os o mensageiro.Joe entregou a ele uma espécie de cartão preto, como um cartão de crédito. O rapaz comprovou uma lista com ele e em seguida o devolveu.
— Encontrará as normas para jogar no salão. Desfrute da noite, senhor Jonas.Joe guiou Demi pelo vestíbulo até um pequeno bar, decorado com madeira escura e pouca luz. Estava cercado por um longo sofá. Uma mulher alta com um brilhante vestido prateado se
Aproximou deles no meio da sala. Usava uma máscara roxa decorada com plumas verdes e debruada com lantejoulas também verdes. Tinha o cabelo loiro recolhimento num elaborado coque alto e os lábios pintados de violeta.
— Bem-vindos amigos — saudou-os. — Dirijam-se ao salão de baile. Lembro a vocês que todos os quartos do hotel estão disponíveis para uso dos convidados. Encontrarão adereços e artigos de toaletes em todas elas. Podem usá-lo como desejam. Mas as portas devem permanecer abertas em todo momento. Qualquer violação dessa norma dará lugar a sua expulsão do edifício. Joe concordou Demi o olho inquisitivamente. Se ele percebeu o seu olhar, não demonstrou. Em lugar disso, a pegou pela mão e a guiou até a pista de dança.

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