terça-feira, 15 de dezembro de 2015

Capítulo 11

— Acordou antes do meio-dia, que baita progresso! – Espírito me lasca um beijo na bochecha, tomando assento à minha frente na mesa de café-da-manhã. – E então, preparada para a labuta?

— Quer saber? Estou com um frio esquisito na barriga. – revelo.

Espírito leva os cotovelos sobre a mesa e entrelaça os dedos. Fita-me por algum tempo e quando sua boca se movimenta, ajeita uma mecha do meu cabelo atrás da orelha.

— No final, tudo dará certo.

— Você mesmo disse que vou ferrar com tudo, lembra-se? É Melhor se decidir. – rebato, cruzando os braços.

— Eu estou falando do trabalho.

— Ah. – nesse momento, levanto-me num salto quando meu pai chama do outro lado do gazebo. – Preciso ir. Estou bonita?

— Está um arraso. – ele declara, solenemente.

Visto uma combinação de saia jeans comportada, um palmo acima dos joelhos, blusinha branca canelada e uma camisa social aberta. Nos pés, uma sapatilha bem confortável.

— Está com um ar culto, sabe? – ele continua. – A quem quer impressionar?

— Ninguém. – defendo-me. – Só quero parecer profissional, madura e…

— Bem resolvida? – Espírito sorri. – Vai passar a impressão correta, fique tranquila. Tenha um bom primeiro dia de trabalho. – ele me abraça e sussurra: – Só mais uma coisa: Samantha Bragança é a dermatologista do hospital.

— O quê???????????

Ele não diz mais nada. Dá um beijo estalado na minha testa e com um sorriso irritante, me deixa sozinha nesse momento surto ao quadrado.

                                            ≈≈≈

O hospital é exatamente o mesmo de que eu me lembrava, com exceção da pintura nova, muito mais moderna e clean. A fachada ficou com cara de clínica de estética e não de um lugar onde doentes morrem todos os dias. Isso é bom.

Meu pai está lindamente caracterizado de médico, com calças brancas de sarja, camisa polo branca, sapatênis branco e um jaleco asséptico que cheira a amaciante. Carrega sua inseparável maleta de couro caramelo, um presente que lhe dei em alguma data festiva.
Ele é super conhecido na cidade, tanto que não para de acenar para os lados, cumprimentando a todos pelo nome. Eu finjo que não estou ali, não quero socializar.

— Estou feliz que esteja de volta. Minha vida nunca foi a mesma sem você por perto. – ele diz e me arranca um sorriso triste. – Eu gostaria muito que não mudasse de ideia, não quero que vá embora novamente.

— Não acho que eu vá mudar de ideia, pai.

— Espero que goste do trabalho. Estamos precisando de alguma criatividade por aqui. E ninguém é Melhor do que você nesse quesito. – ele levanta a minha bola e me sinto um must.

— Darei o meu Melhor, prometo.

Na recepção do hospital, sou imediatamente apresentada as enfermeiras de plantão. Algumas eu reconheço, outras nunca vi mais gordas. O papo é breve e logo estou seguindo ao lado do meu velho pelo corredor principal.
Na administração, ganho um crachá com meu nome e a senha do wi-fi. Assino um contrato de prestação de serviços e agora conhecerei a minha sala de trabalho pelas próximas semanas.
Algo se remexe em meu estômago. Sinto as bochechas quentes e a nuca gelada. Estou levemente zonza, os braços formigam e as pernas estão molengas. Estranho, muito estranho. É como se eu estivesse caminhando por uma corda bamba, estendida sobre o alto de dois edifícios, sem qualquer proteção.
De volta ao corredor, não ouso olhar para os lados. Papai aponta as placas, explica cada ala do hospital, mas eu não estou ouvindo. Temo que na próxima curva, eu dê de cara com Joseph ou pior: com minha arqui-inimiga, como bem nomeou Espírito.

— Você está bem, Demi? Está muito aérea hoje.

— Estou de boa. – confirmo com a cabeça. – Pai, onde fica a Dermatologia e a Traumatologia?

— No segundo andar. – ele revela. – Quer ir até lá?

— Não! – sibilo e logo assumo o controle da minha voz esganiçada. – E o CTI, onde fica? – pergunto, para que ele não suspeite de nada.

— Também no segundo andar, final do corredor.

— Ah, é. Eu tinha me esquecido.

— Sua sala é esta. – ele para em frente a uma porta sem identificação. – Aqui está a chave. Qualquer coisa, meu ramal é 221. Depois que fizer uma análise do material, vamos marcar uma reunião com o conselho administrativo. Temos algumas ideias, mas a decisão final é sua. Você tem carta branca.

— Valeu, pai.

— Almoçamos juntos?

— Aqui no hospital? – arqueio as sobrancelhas. – Aquela gororoba Melhorou?

— Rango de primeira. O Chef da cozinha é amigo do Espírito.

— Nesse caso, está combinado.
                                          ≈≈≈

Minha sala é ampla e as paredes foram recém pintadas de um azul clarinho. Tem uma mesa larga com gavetas, uma estante repleta de livros de medicina e um quadro surrealista bem interessante. Há uma poltrona com uma mesa lateral e um tapete felpudo, da cor do sol.
O lugar é um tanto frio, mas nada que alguns porta-retratos não resolvam. A sala é clara, com direito a um janelão de vidro que dá visão para a rua e parte do estacionamento lateral. Gostei daqui, a atmosfera é boa e a vibração energética está leve.

Droga, estou pensando como a minha mãe.

Puxo a cadeira e os rodízios chiam sobre o piso laminado. Abro o notebook e me conecto a rede wi-fi. Na primeira gaveta, encontro as pastas que papai mencionou. Todos os materiais impressos do hospital estão ali. Passo os olhos sobre o logotipo e algumas ideias começam a pipocar. Está claro que a logo está ultrapassada e precisa de um toque de modernidade, algo bem sutil.
Na segunda gaveta, encontro um calhamaço de folhas A4, canetas e lápis. Inicio um desenho à mão livre, gosto de criar no papel antes de levar a arte para o computador.
  
                                                ≈≈≈

Entretida no trabalho, não percebo o tempo passar. Duas batidas surdas me arrancam do meu mundo criativo. Meu pai entreabre a porta e com um sorriso, aponta para o relógio de pulso. Caramba, mas já?! Fecho o notebook, pego a bolsa e o sigo para o restaurante.
Nem estou tensa. Como uma hacker extremamente eficiente, vasculhei os arquivos do hospital e encontrei o quadro de escalação dos médicos e funcionários. De acordo com o cronograma diário, Joseph entrará no turno da noite e Samantha está num congresso no Rio de Janeiro. Foi o que bastou para eu respirar aliviada e almoçar com certa tranquilidade.

— Temos que ser rápidos, tenho uma reunião daqui a pouco. – meu pai checa o relógio de pulso.

– Como está indo o trabalho? – ele questiona, fuçando no purê de batatas.

— Tive boas ideias, acho que gostará do resultado. Ah, e a sala é ótima para trabalhar.

— Fico feliz. – ele faz uma pausa enquanto mastiga. – E sua amiga Nauane? Quando dará o ar da graça?

— Ela ainda não conseguiu as férias vencidas. Tem muito trabalho nessa época do ano. – explico. — E você, como está? Mais calma depois daquele episódio deprimente em São Paulo?

— Quer saber? – deixo um sorriso lateral escapar. – Estou ótima e até pensando em ligar para aquele imbecil e pedir desculpas. – entrelaço os dedos acima da cabeça. Recosto e equilibro-me apenas nas pernas traseiras da cadeira, como fazia quando era criança. – Quero mudar a minha vida, esquecer de vez o que passou e as merdas que fiz.

Antes que meu pai responda, o impossível acontece. Joseph entra no restaurante e não sei dizer o que houve, mas quando dou por mim, estou estatelada no chão.



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Desculpa por que ter postado na hora certo,programei o capitulo e coloquei o horário errado.

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