segunda-feira, 4 de janeiro de 2016

Capítulo 28 MINI MARATONA 1/5



Estou me acabando de tanto chorar e odeio isso. Nauane me deu um banho quente, eu não conseguia nem ficar de pé. Estamos deitadas na minha cama e minha melhor amiga faz tranças nos meus cabelos úmidos. Conto tudo a ela, despejo toda a carga que se acumula em meus ombros. Ela me chama de dramática umas quinhentas vezes, mas isso não vem ao caso.

— O que acontecerá agora? – questiono.

— Não faço ideia. Só espero que Joseph não pense que você está apenas se vingando da baranga.

— Do jeito que sou sortuda, é claro que ele pensará isso. – mortifico-me. – Nanie, por mais que eu diga que o amo, ele não acreditará. Eu mesma duvido!

— Duvida porque é uma dramática sem noção. – ela bufa, indignada. – Eu vejo nos seus olhos e Demetria, esse amor é tão forte que chega a ser palpável. As sensações e sentimentos que descreve, não são de conhecimento da maioria da população humana, garanto isso a você. Aliás, nunca me senti dessa maneira.

— Eu achei que pudesse viver sem ele, sem o fantasma de outro abandono. escondi meu amor, me enfiando em relacionamentos podres, na vã tentativa de provar a mim mesma que sou errada, que não mereço a felicidade.

— Dramática. – com essa afirmação, são quinhentas e duas vezes. — Me mate, agora. – ergo os punhos sustentando os braços no ar.

— Cale a boca. – Nanie dá um tapa em minhas mãos, encarando-me com profundidade. – Independente do que aconteça a partir de agora, pelo menos você tentou. Contra sua vontade, foi lá e disse o que sente. Não se arrependa de nada, não há motivos para isso.

— Obrigada Nanie, de verdade.

                                       ≈≈≈

Após uma noite tenebrosa, o dia despertou com um sol escandaloso.

Meus avós me liberaram dos afazeres na pousada, mas só até Nauane voltar para São Paulo. Mal comecei a trabalhar e já estou de férias, o que me leva a pensar que minha vida não é tão horrível assim. Estamos na Praia do Pontal, no centro de Paraty. Nauane está a fim de torrar ao sol e eu tento me esconder do astro, mergulhando debaixo do guarda-sol. O garçom trás espetinhos de camarão e desisti desse negócio de parar de beber. Mas é só uma batida de coco, nada surreal. A última imagem de Joseph corrói o meu sistema nervoso, dando curto-circuitos, destruindo os poucos neurônios que tenho. Já que ficarei sem cérebro, então beberei a isso.

— O Guilherme me ligou hoje cedo, quando você estava no banho. – os olhos de Nanie estão bem escondidos debaixo dos óculos de sol e não sei para onde ela está olhando nesse momento.

— E quando pretendia me contar?

— Estou contando agora, pô. – ela estressa.

— E? – faço minha melhor cara de paisagem.

— Ele nos convidou para ir ao bar hoje. Vai rolar uma banda eclética por lá.

— O que você respondeu?

— Eu disse que falaria com você. – Nanie aguarda e como não digo nada, ela questiona: – Vai comigo, não é?

— Está a fim dele? – ah, que pergunta óbvia. – Bem, você já é grandinha e sabe onde está se metendo. – aproximo-me, tocando seu braço febril. – Eu irei com uma condição.

— Peça o que quiser.

— Saia desse sol agora, você está fritando.

— Demorou! – ela puxa a cadeira para debaixo do guarda-sol e comemora, efusiva. – Valeu mesmo, Demi.

— E para não ficar de vela, levarei o Espírito comigo.
                                             ≈≈≈

E lá vamos nós encher a cara Nas Costas do Padre. Sim, vou beber até cair. Eu sei, minha palavra não anda valendo muita coisa ultimamente. Mas entenda, eu preciso muito esquecer.

Chegamos ao boteco e Guilherme reservou a melhor mesa do lugar. Dá para assistir ao show e estamos a centímetros do bar. Não tem essa de precisar laçar o garçom, qualquer coisa, pedimos diretamente ao barman.

A noite cai para dentro assim como litros de chopp. Não sei se estou alucinando, mas acho que Nanie e Guilherme estão dançando no meio da pequena pista. Olho para o lado e vejo Espírito trocando uma ideia e também telefones com um cara que conheço de vista.

Só então me dou conta de que estou sozinha na mesa.

De repente sinto um tremendo vazio, um incômodo depressivo. Compreenda, estou feliz por meus amigos terem se dado bem, mas a solidão é algo que me apavora e, pela primeira vez na minha vida, tenho a sensação de que ficarei para titia.

Certo, não tenho tia, o que isso quer dizer então?

Sinto um bafo alcoólico em meu ouvido esquerdo. Apesar de enxergar borrões, sei que se trata de Espírito. Ele pergunta se eu gostaria de voltar para a pousada, já que resolveu dar uma esticada com o bonitinho dos cabelos compridos. Não sei como respondi, mas ele entendeu o que eu disse, tanto que me deu um beijo na testa antes de ir embora.

Na pista de dança, Nanie e Guilherme estão na maior pegação. Mãos bobas, línguas soltas, mordidas no pescoço… ah, isso está parecendo filme pornô de péssima categoria, não que exista algum de nível.

Enfim, essa é minha deixa.

Levanto-me e a cadeira cai para trás. Um tanto cambaleante, puxo o troço pelo encosto, tentando inutilmente firmar as pernas. Respiro fundo uma, duas, três vezes. E então, aceno para Nanie que agora se aproxima, alarmada.

— Onde pensa que vai? – ela interpela. – E cadê o Espírito?

— Relaxe. – estou com o riso frouxo. – Aproveite a noite, vou para a pousada desmaiar.

— Sozinha?

— Eu estou bem, lindona, já disse para relaxar. – eu deveria ser atriz, meu quatro com as pernas é perfeito, mesmo com tanto álcool na cabeça. – Deixarei a porta aberta, caso volte antes do amanhecer.

Indecisa, Nanie olhe para Guilherme que a chama para o meio da pista. Então, volta seu olhar apreensivo na minha direção. Sua preocupação com o meu bem estar é uma dádiva que só amigas de verdade compartilham.

— Já disse, estou bem. Vá para a pista com o gostosão do Gui, curta a noite. – aconselho.

— Ai Demi, tem certeza?

— Absoluta. – dou-lhe um beijo na bochecha sardenta. – Se voltar para a pousada sem ter levado esse cara para a cama, juro que lhe dou uns tapas.

— Ok, combinado.
                                            ≈≈≈

Tropeçando nas próprias pernas, desisto de voltar à pousada. Se meu pai ou meus avós me virem nesse estado, estou ferradíssima. Nesse caso, caminho a esmo pelas ruas, equilibrando-me como posso.

Essa solidão está me esmagando e o vazio se mostra um tremendo buraco negro, sugando o pouco de energia que me resta. Sinto um desânimo se aninhando em meu peito, uma sensação horrível e pegajosa de amargura.

Sim, sou melodramática, mas sempre mantive meu astral lá no alto. Talvez por esse motivo, eu esteja tão consternada com os inúmeros sentimentos ruins que me abatem. Tenho vontade de gritar e falar todos os palavrões que conheço. Não o faço. Tiro as rasteiras e afundo os pés na areia fria, pedindo aos céus que me deem forças, que recarreguem minhas baterias.

Vou espalhando areia conforme passo. Minha cabeça tomba para trás e fito as estrelas piscantes.

Começo a viajar na maionese, perguntando-me se esse pisca-pisca não seria um código morse, um aviso de que a vida é mesmo uma merda.

Nesse instante, contrariando todas as possibilidades existentes no universo, eis que meus olhos descortinam o impossível. Não sei se devo rir ou chorar, mas independente do que farei a seguir, sussurro para o vento:

— Caraca destino, isso é golpe baixo.

Joseph está sentado na areia, acompanhado apenas por uma garrafa de vinho que ele bebe diretamente do gargalo. Se percebeu a minha presença, ainda não esboçou qualquer reação.

Seu olhar está perdido no horizonte, onde dois navios de cruzeiro estão ancorados, com centenas de luzinhas acesas. Está pensativo e eu adoraria ter o poder de ler mentes.

Titubeio. Como ele ainda não me viu, posso muito bem dar as costas e voltar para o lugar de onde vim. Mente e corpo começam a digladiar e não faço ideia de quem sairá vencedor nessa batalha.


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