segunda-feira, 4 de janeiro de 2016

Capítulo 29 MINI MARATONA 2/5



Ah, merda, ele me viu.

Eu já estava recuando, pronta a dar as costas. Foi quando Joe ergueu a cabeça e me encarou, como se soubesse exatamente onde eu me encontrava. Meu corpo todo pinicou ao toque dos seus olhos e não tive coragem de simplesmente deixá-lo ali, tão sozinho e lindo.

Hesitei de puro charme. Ficamos nos encarando, numa troca de olhares elétricos, completamente absorvidos e, porque não, embevecidos de nossas figuras. Quando comecei a ficar incomodada, resolvi caminhar em sua direção.

Não estou tão bêbada quanto gostaria. Paro ao seu lado e ele não diz nada, apenas puxa minha mão para baixo e eu me sento. Oferece o vinho e não recuso, afinal, toda garrafa de bebida traz uma boa dose de coragem embutida.

E como estou precisando!

Ficamos ali, dividindo o vinho direto no gargalo, absortos no momento, fitando o horizonte estrelado. Nenhuma palavra é dita, apenas o som de nossas respirações quebra o silêncio.

Mas então, para meu total pavor, ele resolve começar a falar. E o que diz, olhos nos olhos, eleva minha pulsação às alturas. Sei que não adianta retrucar, nada transmutará a imagem e a opinião que ele tem sobre mim.

— Você muda de ideia como quem troca de roupa, Demi. Disse que parou de beber, mas chegou trançando as pernas. Como posso confiar em qualquer coisa que saia da sua boca?

— Você tem razão. – lamento.

— O afogamento não foi suficiente para você se tocar de que há algo errado? Não valeu de nada?– ele faz uma pausa tensa. – As pessoas costumam mudar drasticamente após uma experiência dessas.E não tenho certeza de que você levou a sério o aviso que a vida lhe deu.

— Acha que foi um aviso? – murmuro, tristemente.

— Toda experiência de quase-morte é um aviso. – ele afirma e bebe a última golada da garrafa.

Silêncio aterrador.

Não acho que Joseph esteja certo, o aviso da vida não passou batido como ele afirma. Estou mais introspectiva, traçando planos a longo prazo, revendo minhas atitudes e até pensando com mais clareza.

E eu disse a ele o que sinto, abri o jogo. Eu o amo e sempre amei. Ontem, na sua casa, deixei o orgulho de lado e escancarei essa coisa que me consome. Tudo bem que minha palavra vale o mesmo que um monte de merda de vaca.

Mas pô, é a mais absoluta verdade!

Joseph se remexe ao meu lado e levanta-se, decidido. Segura a garrafa vazia com uma mão e a outra estende na minha direção.

— Eu a acompanho até a pousada. Não conseguirei ficar em paz sem saber se chegou inteira.

— Por que se importa? – metralho.

— Diferente de você, eu não vivo numa eterna crise existencial e realmente me importo com o bem estar dos que me rodeiam. Vamos lá, me recrimine. – ele incita, mas ao invés de discutir, me calo.

Aquela mão enorme continua suspensa no ar, aguardando. Depois de muito deliberar com meus botões, aceito sua ajuda e me levanto, totalmente zonza. Elimino o excesso de areia do vestido e lado a lado, seguimos para a pousada.

Mantemos o silêncio por boa parte do trajeto. Estamos distantes por alguns centímetros e vez ou outra acabo tombando de lado, esbarrando naqueles braços fortes, másculos, peludos… ai, que Deus me ajude.

— Sua amiga já voltou para São Paulo? – ele finalmente diz alguma coisa.

— Não. Ela está com o Gui.

— O cara não perde tempo. – seus lábios desenham a linha de um sorriso incrédulo. – Avisou a ela dos perigos?

— Fui bem clara. – afirmo, categórica.

Então, num arroubo ensandecido, seguro seu braço – forte, másculo, peludo – e paramos de caminhar. Meu olhar se joga para dentro daqueles olhos verdes translúcidos e faço a pergunta que me corrói até a alma:

— Por que a Samantha?

— Está me sacaneando? Essa pergunta não pode ser séria.

— Você poderia ter a mulher que desejasse, por que ela? – há raiva no meu tom de voz.

— Porque a mulher que eu realmente queria não estava disponível. – ele massacra e depois cospe na carcaça. – A Samantha pode ser o que for, mas ela me ama Demetria.

— E a recíproca é verdadeira? – provoco.

— Isso não vem ao caso. Quer discutir? Eu posso atirar na sua cara uma porrada de coisas, o Espírito sempre me manteve a par dos seus relacionamentos destrutivos.

— Ele manteve, é? – estou tremendo de ódio. – E o que você tem a ver com isso?

— Exatamente. Eu não tenho nada a ver com isso então, por favor, pare de falar da Samantha.

— Ah, quer saber? Volte para os braços daquela engomada. Aposto que quando vocês transam, ela nem tira a roupa! – explodo e saio andando.

— Ela tira a roupa sim! – ele grita às minhas costas e então, baixa o tom de voz e remenda: – Pelo menos na maioria das vezes.

Isso deveria soar cômico, mas não. Finco os dentes no lábio só de pensar naquela mimada na cama com ele. Estou tão irada, tão fora de mim, que giro nas tamancas e fuzilo:

— Ela não tem peitos! – exalto-me.

— Mas também não tem celulite.

O quê?????????????

Ele está dizendo que eu tenho? Que não sou perfeita para ele? Ah, o cara acaba de cutucar, com palito de fósforo, um monstro adormecido que cospe fogo.

— Está querendo dizer o que com isso, doutor Joseph? – estou tão puta, que a pergunta arranha a minha garganta.

— Demetria, eu não quero brigar. – ele amansa. – Para dizer a verdade, eu não saberia identificar essa tal de celulite.

E o monstro que cospe fogo volta para seu soninho da beleza.

— Você me conhece, Demi. Sabe que não me ligo no exterior das pessoas. E se nesses dez anos você tiver ganhado umas celulites, é bem provável que eu ache extremamente charmoso.

Ah, Deus, como ele consegue ser tão fofo? Acaba de calar a minha boca, numa boa. Resolveu um conflito que poderia ter terminado muito mal, de forma inteligente.

— Desculpe. – baixo a cabeça, constrangida.

— Está tudo bem. – ele se aproxima e ergue o meu queixo.

Neste instante, o mundo deixa de existir. Sinto formigas passeando pelos braços, morcegos famintos batendo asas no meu estômago, uma sensação de impotência perante o fato de estar perdidamente, enlouquecidamente, absurdamente apaixonada por esse homem. Nada que seja novidade, mas a intensidade me assusta.

Joseph se aproxima, vagarosamente. Posso ler o que se passa em sua mente conforme aprofundo o meu olhar. Algo me diz que esse beijo não acontecerá e terei que ser forte, suportar a rejeição. Ele fecha os olhos por alguns segundos e então, hesita.

— Eu não posso, Demi.

— Eu sei. – colo meus lábios em sua bochecha, demorando-me mais tempo do que o necessário.

Joseph inspira meus cabelos e se afasta. Noto que está travando uma luta interna, daquelas que podem enlouquecer uma pessoa. Não quero ser a causadora disso, não pretendo de forma alguma fazê-lo infeliz. Minha cota nessa vida já fez um estrago dos grandes.

— A pousada é logo ali, posso ir sozinha.

— São quase vinte metros até a entrada e sendo você, tudo pode acontecer até lá. – ele satiriza meu lado desastroso. – Ficarei aqui, só para garantir.

— Boa noite, Joe.

— Boa noite, Demi.

Dou às costas a ele, sentindo-me queimar. Seguro-me para não girar o pescoço e olhar para trás.

Meus passos são indecisos, meu corpo está louco para tomar as rédeas, mas resisto bravamente. Quando chego à porta da pousada, olho para ele e aceno. E então, com lágrimas nos olhos, sumo de suas vistas.

Demoro-me algum tempo na recepção, entretida em pensamentos confusos, sentimentos insanos sobre uma vida que parece ter sido um tremendo desperdício. É difícil e até embaraçoso chegar à conclusão de que nada valeu a pena.

Cansada das minhas próprias lamentações, arrasto-me para casa. Boa parte da pousada está às escuras, mas conheço o caminho como a palma da mão. Quando entro na varanda da casa do meu velho, levo um puta susto. Ele está se agarrando com uma mulher, no banco de madeira pintado pela minha mãe. Quem essa vadia pensa que é?

— Pai? – ergo a voz.

— Demi! – meu pai afasta a mulher e seus olhos estão esbugalhados.

Antes que eu pergunte qualquer coisa, meus lábios se entreabrem, perplexos. A respiração falha, o coração bombeia alucinado e se eu não estivesse vendo com meus próprios olhos, diria se tratar de um boato de muito mau gosto. Nesse instante, a causa do meu choque ganha voz:

— Mãe?

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